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Murakami comove em 'Abandonar um Gato', uma ode ao pai morto

Japonês faz uma escavação pessoal através de um fio condutor singelo, a relação de pai e filho com felinos

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Fabiane Secches

Abandonar um Gato

  • Preço R$ 64,90 (112 págs.); R$ 29,90 (ebook)
  • Autoria Haruki Murakami
  • Editora Alfaguara
  • Tradução Rita Kohl

Haruki Murakami, hoje com 73 anos, é um escritor que dispensaria apresentações. Autor de best-sellers internacionais, incursiona por diferentes gêneros —romances, contos, ensaios, textos autobiográficos— e teve seus escritos traduzidos para mais de 50 idiomas, além de ter recebido premiações literárias importantes.

Amado por seus leitores, sempre um dos nomes cotados para o Nobel, também é criticado por ter uma obra ocidentalizada, o que se justificaria pelo fato de ter vivido nos Estados Unidos por anos e também por ser um tradutor de grandes autores da língua inglesa. Seu primeiro romance, "Ouça a Canção do Vento", foi publicado em 1979, quando ele tinha 30 anos.

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Ilustração de Adriana Komura para o livro 'Abandonar um Gato', autobiografia de Haruki Murakami - Divulgação

Essas informações, que não são novidade alguma, abrem essa breve resenha de "Abandonar um Gato" porque o ensaio, uma espécie de ode ao pai morto, dá uma pequena mas importante amostra da formação de Murakami como leitor e como escritor.

Nascido na cidade de Kyoto, o autor retorna agora ao gênero autobiográfico na tentativa de resgatar mais do que uma parte de sua história, em que seria o protagonista, mas uma parte da história do pai, inclusive a que antecede o seu nascimento.

É um ensaio que também poderia ser considerado um conto autobiográfico em que retrata três gerações —a do avô, um monge budista; a do pai, um professor de língua japonesa que escrevia haicais e que teve uma experiência militar brutal; e um pouco da sua própria.

No Brasil, foi publicado com tradução da ótima Rita Kohl, que já tinha certa intimidade com a obra de Murakami. Ela também assina as versões de "Ouça a Canção do Vento" e "Pinball, 1973", além dos dois volumes de "O Assassinato do Comendador" e "Sul da Fronteira, Oeste do Sol", todos publicados pela editora Alfaguara.

Este último saiu primeiro na revista Quatro Cinco Um e, recentemente, foi transformado em livro com a adição de posfácio do autor —que, com exceção de um ou dois comentários, talvez fosse desnecessário—, além de lindas ilustrações da artista brasileira Adriana Komura, dialogando de forma delicada com o texto tão bonito de Murakami.

O autor teve uma relação difícil com o pai, em especial na vida adulta, quando chegaram a passar 20 anos sem se encontrar. Foi apenas perto da morte do segundo que se reaproximaram e experimentaram uma reconciliação.

Mas não é nas diferenças entre eles que "Abandonar um Gato" se concentra, e sim em uma espécie de devoção do filho, na busca de retraçar os passos do pai e tentar compreender a sua figura. Era um homem marcado pela guerra do Japão contra a China e pela Segunda Guerra Mundial que nunca deixou de escrever haicais e de enviar os poemas para publicação, mesmo dos campos de batalha.

Por meio de um fio condutor singelo —a relação de Murakami e do pai com uma gata, e também do autor com os gatos em geral—, o livro vai recuperando algumas memórias de infância, principalmente as "cenas simples e cotidianas", enquanto também entrelaça a biografia particular de sua família com a história do país.

Para isso, usa uma linguagem bem cuidada, mas de uma simplicidade enternecedora, escolha perfeita para retratar um percurso que, mais do que literário, é também uma escavação pessoal. Essa é uma obra de muitas perguntas sem respostas, em que passado e presente estão sempre sobrepostos.

Murakami faz um contraste entre a época dos eventos narrados e a época em que os narra, o que contribui para contextualizar os fatos e para lembrar que somos formados por experiências muitas vezes fortuitas, frutos do mero acaso que, no entanto, resultam em um sujeito que é único a seu modo. É a essa beleza que temos acesso em uma obra curta, delicada e comovente.

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