Pharoah Sanders deixa ao jazz o legado de uma música pulsante, robusta e espiritual

Ao vivo, saxofonista americano às vezes tocava um tema só durante entrada inteira e fazia seu instrumento chorar e rugir

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Jon Pareles
The New York Times

Pharoah Sanders, saxofonista e compositor celebrado por sua música ao mesmo tempo espiritual e visceral, determinada e extasiante, morreu no último sábado, em Los Angeles, aos 81. O comunicado de sua gravadora não diz a causa da morte.

O som que Sanders tirava de seu saxofone tenor era uma força da natureza —robusto, pulsante e envolvente, enraizado no blues e baseado em uma técnica apurada para criar harmonias e polifonias imponentes. Seu som era às vezes feroz e às vezes angustiado, mas ao mesmo tempo, amável e acolhedor.

Show do saxofonista Pharoah Sanders no Sesc Pinheiros
Show do saxofonista Pharoah Sanders no Sesc Pinheiros - Christian von Ameln

Sanders, que também tocava sax soprano, ganhou fama como parte do grupo de John Coltrane, de 1965 a 1967. Depois, fez uma carreira fértil e prolífica, lançando dezenas de discos e se apresentando ao vivo durante décadas.

Sanders tocava free jazz, temas caribenhos dançáveis e cânticos de inspiração africana e indiana, como "The Creator Has a Master Plan". Ele gravou extensamente como líder e colaborador, trabalhando com Alice Coltrane, McCoy Tyner, Randy Weston, Joey DeFrancesco e muitos outros.

"Estou sempre tentando alguma coisa, que pode soar mal e soar muito bonita", disse Sanders ao New York Times há dois anos. "Sou uma pessoa que começa a tocar o que quer e espero que talvez se transforme em música bonita".


Farrell Sanders nasceu em, em Little Rock, no estado americano de Arkansas. A mãe era cozinheira e o pai era empregado da prefeitura. Ele começou a tocar em sua igreja, primeiro como baterista e depois adotando o clarinete e o saxofone.

Tocava blues, jazz e R&B em casas noturnas da região de Little Rock. Na era da segregação racial às vezes precisava tocar por trás de uma cortina. Em 1959, Sanders se mudou para a Califórnia, onde tocava em casas noturnas. John Handy, colega saxofonista, sugeriu que ele se mudasse para Nova York, onde o movimento do free jazz estava começando, e foi o que ele fez, em 1962.

Houve momentos em que não tinha onde morar e precisava vender sangue para comprar comida. Mas logo começou a tocar no Village, e trabalhou com alguns dos expoentes do free jazz, como Ornette Coleman, Don Cherry e Sun Ra.


Sanders gravou seu primeiro disco como líder, "Pharoah", em 1964. John Coltrane o convidou para subir ao palco em um de seus shows, e em 1965 se tornou parte do grupo do colega, explorando o free jazz em álbuns como "Ascension", "Om" e "Meditations".

Depois da morte de Coltrane, Sanders gravou com sua viúva, a pianista e harpista Alice Coltrane, em álbuns como "Ptah, The El Daoud"e "Journey in Satchidananda", ambos lançados em 1970.

Naquela época, Sanders já tinha começado a gravar como líder, em discos da gravadora Impulse. Os títulos de alguns de seus discos anteriores —"Tauhid", de 1967, "Karma", de 1969— deixavam claro o seu interesse no pensamento islâmico e budista.


A música de Sanders era expansiva e aberta. Ela se concentrava mais na interação imersiva de seus grupos do que em solos e incorporava flautas e percussão africana.

Na contracapa de "Karma", o poeta Amiri Baraka escreveu que "Pharoah se tornou uma longa canção". "The Creator Has a Master Plan", um tema de 32 minutos, se alterna entre graça pastoral —com uma base firme de dois acordes e uma mensagem reconfortante cantada por Leon Thomas— e picos frenéticos de notas ruidosas. Trechos da faixa foram parte do repertório de rádios FM na época.

Nas décadas de 1970 e 1980, a música de Sanders mudou de peças com duração de álbuns inteiros, como o cinético "Black Unity", de 1971, para composições mais curtas, retomadas de sua conexão com os standards do jazz e novas interpretações de composições de Coltrane.

As gravações de Sanders se tornaram menos turbulentas e mais contemplativas. Em "Love Will Find a Way", de 1977, ele tentou o jazz pop e o R&B, gravando baladas com Phyllis Hyman, mas voltou ao convencional em seus discos para a Theresa Records na década de 1980.

No entanto, seu lado aventureiro não tinha desaparecido. Ao vivo, ele às vezes tocava um tema só durante uma entrada inteira e fazia seu instrumento chorar e rugir. Nas décadas de 1990 e 2000, gravou álbuns com o inovador produtor Bill Laswell. Ele se reuniu também com o guitarrista Sonny Sharrock em "Ask the Ages", de 1991, e colaborou com o músico marroquino Mahmoud Ghania em "The Trance of Seven Colors", de 1994.


Sanders sempre teve relacionamentos difíceis com as gravadoras e passou quase duas décadas sem gravar como líder. Mas continuou a tocar ao vivo, e suas participações em discos sempre receberam fortes elogios. Em 2016, ele foi nomeado mestre do jazz, a maior honraria a um músico do gênero em seu país.

Num vídeo gravado para homenagear o artista pela honraria, o saxofonista Kamasi Washington disse que "ouvir Pharoah é como levar frango frito e molho ao espaço e fazer um piquenique na Lua".

A saxofonista Lakecia Benjamin disse que "é como se ele tocasse pura luz dirigida a você". "Muito além da linguagem. Muito além da emoção."

Tradução de Paulo Migliacci

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