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Bom texto de Miguel Falabella não salva 'O Coro' da artificialidade

Longe de ser 'Glee' brasileiro, produção do Disney+ apresenta elenco fraco e parece subestimar senso crítico do público

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O Coro: Sucesso Aqui vou Eu

  • Onde Disponível no Disney+
  • Classificação Livre
  • Autor Miguel Falabella
  • Elenco Miguel Falabella, Karin Hills, Sara Sarres, Magno Bandarz, Carolina Amaral, Letícia Soares e Daniel Rangel
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Cininha de Paula

Anunciada em 2020 como a primeira produção brasileira do Disney+, "O Coro: Sucesso Aqui Vou Eu" ganhou nas redes o injusto apelido de "'Glee' brasileiro", em referência ao clássico adolescente de Ryan Murphy que levou para a TV a dinâmica das boas comédias musicais —e que inspiraria ainda uma versão adulta e melhorada, "Smash".

Cena da série musical original brasileira 'O Coro: Sucesso, Aqui Vou Eu' - Stella Carvalho/Divulgação

Narrando a história de um grupo de jovens que busca o estrelato por meio do teatro musical, as obras têm similaridades leves, mas nada que justifique comparações. O humor ácido e cruel de Miguel Falabella vai por caminhos que o teor sardônico e nem sempre sedutor das obras de Murphy sequer sonharia atravessar.

Só esse texto afiado já seria motivo o suficiente para que "O Coro: Sucesso Aqui Vou Eu" fosse uma das séries mais interessantes do streaming neste ano. Entretanto, algo está fora da ordem na produção, que parece sofrer a interferência de uma Disney que busca cativar o mesmo público adolescente que angariou há 15 anos com o pueril "High School Musical".

Mas o público é outro. De 2006 a 2022, os musicais ganharam espaço no Brasil, assumindo papel de força motora no mercado teatral e, de fato, sonho de consumo de um público jovem iniciando o caminho das artes. São eles o foco em "O Coro".

Estão lá a cantora de cabaré que sonha em se tornar uma estrela, a ambiciosa vilã que vive obcecada e se envolve com homens poderosos e, claro, casados, a jovem aspirante a cantora explorada pelo namorado e o rapaz que veio da igreja e vê um novo mundo à sua volta. Todos compõem o panorama dos que sonham com um lugar ao sol.

A obra abusa de tintas ficcionais ao criar uma realidade própria, em que, sim, cantar em meio a um diálogo é absolutamente natural. Mais do que isso, o teatro musical é uma máquina econômica com força similar à de seu berço, nos Estados Unidos. É preciso aceitar essas premissas para tentar mergulhar na proposta.

Contudo, nem compactuando com as licenças poéticas é possível se deixar cativar por "O Coro". Isso porque o autor não conseguiu explorar com profundidade o argumento de uma história musical com base no vasto repertório popular brasileiro.

A série enfileira um conjunto de grandes canções, mas peca ao não fazer jus ao que um musical de fato se propõe, que é fazer com que sua história avance também com base na seleção de canções. São raras as sequências em que os temas musicais se relacionam com a cena.

Sob a direção de Cininha de Paula, "O Coro" parece querer aproveitar ao máximo as boas vozes do elenco com cenas construídas no formato de videoclipe —num efeito que chega mesmo a truncar o desenvolvimento do enredo e faz com que boas histórias se percam.

Há, claro, exceções. O dueto entre Lílian Valeska e Karin Hils em "Pedaço de Mim", de Chico Buarque de Hollanda, não é só a cena mais bonita da série, como é a que realmente se relaciona com a história de duas mães preocupadas com o futuro de seus filhos —e, de certa forma, sofrem com a síndrome do ninho vazio. É onde dramaturgia e canção se irmanam.

Aliado a esse problema, "O Coro" tem outra grande pedra no sapato. Seu elenco é majoritariamente inexpressivo. Os vilões de Gabriella Di Grecco e Rhener Freitas não convencem, com registros que beiram as novelas mexicanas, os romances resultam desinteressantes e o alívio cômico, basicamente centrado em Bruno Boher, em uma atuação caricata muito aquém da proposta da série e que não tem graça.

Falta peso e experiência ao elenco majoritariamente jovem, mas, acima de tudo, a série se ressente da falta de um trabalho sólido de direção de atores, que expõe as limitações do trabalho de Guilherme Magon no papel do diretor da companhia de teatro dividido entre o amor por seu companheiro e o desejo por um jovem ator carreirista.

Por outro lado, algumas performances se destacam. Karin Hills é o ponto mais alto da produção na pele da jocosa Marion, enquanto Letícia Soares, mesmo com pouco espaço, se destaca pela delicadeza de sua personagem, que merecia um desenvolvimento melhor. Sara Sarres se sai bem como a diva da companhia, ainda que peque por excessos - mas, verdade seja dita, é o melhor trabalho da cantora como atriz.

A coreógrafa Bárbara Guerra consegue bons momentos graças à ótima química com o jovem Gabriel Hipólito, enquanto Ester Elias e Magno Bandarz se destacam pela sobriedade com a qual conduzem as histórias de seus personagens, que merecem mais destaque.

Do elenco jovem, Carolina Amaral, Luci Salutes, Daniel Rangel, Micaela Díaz e Graciely Junqueira se destacam por conseguir alinhamento natural com o texto e o universo proposto pela série. O grupo imprime naturalidade, assim como Falabella, que surge como coadjuvante de luxo.

Com excessivos dez episódios e uma segunda temporada engatilhada, "O Coro" é obra que bebe da fonte de algumas das melhores criações de Falabella, como a subestimada e ácida "A Vida Alheia" e a poética "Pé na Cova".

Mas falta à produção coragem para mergulhar fundo na crítica ferina que o autor se propõe a fazer acerca das entranhas do teatro musical, para um espectador que, diferentemente do que pensa a Disney, é capaz de absorver mais do que histórias açucaradas de amor e dramas escolares, que não adicionam nada à formação crítica a respeito da sociedade que nos cerca.

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