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'Duetto' é ambicioso ao buscar em saga familiar tensão do golpe de 1964

Diretor Vicente Amorim leva Marieta Severo e Luísa Arraes à Itália em filme que tenta resgatar o melodrama clássico

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Duetto

  • Onde Em cartaz nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Autoria Luisa Arraes, Marieta Severo e Giancarlo Giannini
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Vicente Amorim

No cinema brasileiro, diretores costumam evitar o melodrama, talvez pelo risco de passar o tom e virar um dramalhão. Dos anos 1970 em diante, a telenovela se tornou por aqui o padrão de dramaturgia, influenciando também o registro melodramático cinematográfico.

É muito comum algum melodrama ser classificado como novelesco por críticos e cinéfilos brasileiros, como se houvesse um único modo de tratar dos problemas e traumas humanos. Por isso costuma se adotar um registro mais documental mesmo em tramas que parecem clamar por mais emoção.

Em "Duetto", longa mais recente de Vicente Amorim, temos uma tentativa digna de fazer um melodrama clássico, com o tipo de trama em que personagens precisam confrontar um passado mal resolvido.

Marieta Severo e Luisa Arraes em cena do filme 'Duetto'
Marieta Severo e Luísa Arraes em cena do filme 'Duetto' - Divulgação

Como inspiração, o diretor foi à Itália, país que, como o Japão e os Estados Unidos, nos deu alguns dos melhores melodramas de todos os tempos.

No início, um disco é colocado na vitrola. A agulha arranha uma das faixas e uma jovem dança intensamente a música que toca. É Cora, interpretada por Luísa Arraes. Ela é fã do cantor italiano Marcello Bianchini, vivido por Michele Morrone.

Percebemos logo que estamos em uma outra época, provavelmente nos anos 1960 —informação que logo depois irá se confirmar. De fato, estamos em 1965, logo após o golpe militar e ainda com a dúvida sobre o acontecimento ou não de eleições diretas.

Uma mão, contudo, tira a agulha do disco interrompendo a dança e a alegria. É a mão da mãe de Cora, Isabel, vivida por Maeve Jinkings, que prevê uma briga conjugal. O pai, Marcelo, aliás, Rodrigo Lombardi, chega logo em seguida e a briga se concretiza. Marcelo sai de casa e do mundo. A avó Lúcia, aliás, Marieta Severo, culpa Isabel pela morte do filho e leva Cora para a Itália.

Estão assim ordenados os primeiros movimentos do filme, aqueles que apresentam os personagens e a situação —ida para a Itália, festival de música, mãe separada de filha, reencontro com um passado que se queria apagar.

Numa cidade nos arredores de Bari, Cora e a avó encontram seus familiares locais. Um desses familiares é Gino, marido da irmã de Lúcia vivido pelo gigantesco ator italiano Giancarlo Giannini. Hoje poucos o conhecem, mesmo com suas participações em filmes hollywoodianos. Mas Giannini já filmou com Luchino Visconti, Rainer Werner Fassbinder e Lina Wertmüller, entre outros cineastas de peso.

A irmã de Lúcia é Sofia, interpretada por Elisabetta De Palo. Gino namorava Lúcia no passado. Quando a trocou pela irmã mais nova, Lúcia veio ao Brasil e nunca mais falou com Sofia. Gino e Sofia acolheram Carlo, órfão vivido por Gabriel Leone.

Resta saber o que vai ser de Isabel, a mãe abandonada. Ela não se faz de rogada e viaja à Itália para reencontrar a filha, complicando ainda mais as relações familiares estremecidas pelo tempo e pela distância.

Vicente Amorim parece saber que uma narrativa pode se enriquecer com espelhamentos de situações e personagens. Assim, Lúcia, que saiu da Itália com a ascensão do fascismo de Mussolini, agora sai do Brasil após o golpe militar de 1964. Os pais de Carlo morreram em acidente de carro, assim como o pai de Cora. Este se chama Marcelo, assim como o ídolo pop da moça.

Obviamente, essa semelhança dos nomes reflete o amor da filha pelo próprio pai, uma perda que a jovem procura superar na Itália. Haverá ainda um outro espelhamento, impossível de adiantar aqui.

Há, por fim, um plano-sequência que remete a outro, muito famoso, de "Os Bons Companheiros", longa de 1990 de Martin Scorsese. Ambos têm a mesma função: servem para o jovem impressionar sua pretendente. Aqui, Carlo leva Cora aos bastidores do festival para que ambos se situem ao lado do palco.

A encenação é cuidadosa durante boa parte do filme, mas há um progressivo desgaste a partir da chegada de Isabel na Itália. Menos por culpa de Maeve Jinkings do que pela ideia para lá de discutível de que o crescimento da tensão pede um comportamento mais errático da câmera.

Apesar desse problema formal e de algumas soluções narrativas simplórias no final, "Duetto" é o filme mais ambicioso de Vicente Amorim, ainda mais que "Um Homem Bom", de 2008, com Viggo Mortensen. E, do ponto de vista cinematográfico, talvez seja seu melhor momento ao lado de "O Caminho das Nuvens", de 2003.

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