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'Os Suburbanos' chama a classe média baixa de idiota em comédia chula

Filme com Rodrigo Sant'Anna, derivado de série de TV, é atropelado e apenas revela os preconceitos das elites

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Os Suburbanos

  • Quando Estreia na quinta (6)
  • Onde Em cartaz nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Rodrigo Sant'anna, Carla Cristina Cardoso e Babu Santana
  • Direção Luciano Sabino

Muitos dizem, após Jean-Claude Bernardet, que devemos analisar as comédias populares brasileiras atuais porque seriam o retrato de nosso país. O sucesso desse tipo de filme se explicaria justamente pela sua fácil comunicabilidade com um público bem amplo e pela possibilidade de um riso fácil para esquecermos a correria do cotidiano.

Temos isso em comum com os italianos, o traquejo para comédias picantes que se comunicam muito bem com o público. No cinema americano, as ramificações das comédias são outras e mesmo quando há sacanagem envolvida, como na série "American Pie", o teor parece menos afrontador, sem a mesma safadeza e malícia do cinema italiano e do brasileiro.

Cena do filme 'Os Suburbanos', longa da série de sucesso protagonizada por Rodrigo Sant'Anna
Cena do filme 'Os Suburbanos', longa da série de sucesso protagonizada por Rodrigo Sant'Anna - Reprodução

Devemos analisar "Os Suburbanos" sem preconceitos, procurando no filme o valor dos procedimentos escolhidos para contar a história. Não se trata de avaliar o longa pelo que ele se propõe, pois em crítica isso seria um equívoco. Trata-se, antes, de pensar que, cinematograficamente, um filme assim pode ser melhor —ou menos pior— que aquele cheio de verniz intelectual importado da Europa, esse lugar sacrossanto.

Pode ser, de fato, mas não é o caso. Em primeiro lugar porque a arte da boa chanchada parece ter ficado no passado, com Carlos Manga e Watson Macedo, entre outros. Em segundo lugar porque o filme se torna veículo para Rodrigo Sant'Anna, e seu personagem, o Jefinho, é machista, homofóbico e arrivista.

Tudo bem, o personagem poderia ser tudo isso, além de desagradável e bobo do jeito que é, e o filme poderia ser uma observação, distanciada ou não, da sociedade patriarcal brasileira. O personagem seria uma coisa, o filme, outra.

É possível trabalhar desse modo, e assim fizeram os bons cineastas que apostaram na chave da comunicabilidade com o grande público, mas a possibilidade é quase sempre ignorada pelo cinema popular brasileiro, sabe-se lá por quê. Parece imperar, por aqui, a ideia de que o popular precisa ser chulo e, pior, mal-ajambrado.

Na primeira imagem, é até perceptível uma preocupação da direção de Luciano Sabino em fazer cinema, em se afastar um pouco de uma encenação tipicamente televisiva —lembrando que o filme deriva de uma série cômica exibida na TV de 2015 a 2019, também dirigida por Sabino. Infelizmente, percebe-se logo que a tentativa fracassou.

O filme se torna um festival de cortes apressados e adere em tudo a Jefinho, ao ponto de que todas as piadas parecem depender de nossa adesão ao personagem, ou ao menos de uma tentativa de compreendê-lo.

E é aí que a formulação do início deste texto se revela problemática. Um cinema feito por gente de classe média, ou alta, que não entende a classe média baixa, o suburbano, e o toma por idiota.

A idiotia da sociedade contemporânea está espalhada por todos os setores. Logo, ela não encontra barreira de classes. Mas um suburbano não precisa ser necessariamente um idiota. Por que sempre há essa ideia nesse tipo de filme?

No mais, que realidade é essa em que todos se afobam, falam aos atropelos, estão sempre ofegantes? Não há mais espaço para a contemplação, a dúvida, o respiro? É preciso que tudo se torne uma prova de velocidade, em que o elenco todo disputa para ver quem é mais rápido no gatilho?

Poderia ser interessante ver veteranos da televisão, como Paulo Cesar Grande e Cristiana Oliveira, vivendo um casal rico e infiel no cinema. Mas ambos são desperdiçados em closes e nos tais cortes apressados, que não valorizam o elemento cômico. Eles podem ter se divertido nas filmagens, mas essa diversão não é vista na tela. Mesmo Babu Santana é reduzido a um simples elemento de escada para Rodrigo Sant'Anna.

O politicamente correto tem seus exageros, mas, diante de um filme assim, ele se mostra cada vez mais necessário. Fazer piada preconceituosa é fácil. Ainda mais hoje, por exalar esse perfume do proibido. Duro é satirizar a burguesia, e mesmo os suburbanos, de modo a nos fazer pensar sobre as contradições e as incoerências de nossas próprias atitudes.

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