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Lovecraft e Poe revivem em HQ genial de Alberto Breccia; veja fotos

Quadrinista uruguaio mergulhou em clássicos para levar, com complexidade de traços, as histórias para o livro 'Lovecraft/Poe'

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Lovecraft/Poe

  • Preço R$ 94,90 (200 págs.); R$ 39,90
  • Autor Alberto Breccia
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Bruno Cobalchini Mattos

A realidade já tem assustado o bastante, convenhamos. Quem quer ainda mais horror, porém, pode encontrá-lo no livro "Lovecraft/Poe", que sai pela Companhia das Letras. A HQ reúne as adaptações que Alberto Breccia fez de dois mestres do horror, H. P. Lovecraft e Edgar Allan Poe.

Ilustração de 'Lovecraft-Poe', quadrinho do uruguaio Alberto Breccia - Divulgação

Há algo de intraduzível e inadaptável nas obras de Lovecraft e Poe. Ambos triunfavam no equilíbrio entre o dito e o não dito, tecendo descrições ambíguas e deixando a imaginação do leitor preencher os espaços vazios com seus medos os mais escabrosos.

É preciso ter genialidade para passar esses textos de um livro para um gibi —um formato que preza a ilustração, afinal, deixando tudo às vistas. Quem tinha, e de sobra, era Breccia.

Nascido no Uruguai e criado na Argentina, Breccia foi um dos quadrinistas mais renomados da América Latina. Ao lado de outros argentinos, ele tem sido redescoberto no Brasil nestes últimos anos. Dele, já saíram os clássicos "Mort Cinder", pela editora Figura, "O Eternauta 1969" e "Che", da Comix Zone, três obras canônicas dos gibis latino-americanos.

Breccia se deparou com a horrenda obra de Lovecraft na década de 1970, em uma edição que comprou durante uma viagem de Madri a Milão. Seduziu-se pela escuridão do texto. Nos anos seguintes, desenhou e publicou suas adaptações de algumas das histórias clássicas dele e também do conterrâneo Poe.

Talvez o melhor exemplo de como Breccia capturou a qualidade inenarrável de Lovecraft seja sua adaptação do conto "O Chamado de Cthulhu", um dos mais conhecidos daquele escritor.

Uma das coisas mais tenebrosas da história é o fato de que Cthulhu "está além de qualquer descrição", diz o texto original, reproduzido na HQ. "Não há linguagem aplicável àquele abismo de horror imemorial, àquela pavorosa contradição de todas as leis da matéria, da força e da ordem cósmica", isso ainda nas palavras de Lovecraft.

Breccia teve, assim, de desenhar algo que não se prestava nem mesmo à descrição. Era um monstro que matava de medo quem o visse, segundo Lovecraft. O resultado satisfaz. Nas páginas de "Lovecraft/Poe", o quadrinista retrata uma criatura disforme traçada com excesso de detalhes, borrões e texturas tão incongruentes que parecem mesmo vir de outro mundo, pior do que este. Não chega a matar o leitor. O que é uma coisa boa, no final das contas. Mas assusta um bocado.

A complexidade e a variedade dos traços são uma constante em todo o gibi. Em cada capítulo, Breccia explora técnicas diferentes como monotipo, colagem e montagem, transitando entre o cinza e a cor. O estilo dele se parece, de certo modo, com o do britânico Dave McKean, conhecido por suas ilustrações nas obras de Neil Gaiman. Ambos retratam bem um horror indefinido, multifacetado.

A diversidade de estilos, que talvez cansasse dentro de única uma história, faz sentido no conjunto de "Lovecraft/Poe" dado que Breccia está retratando textos de diferentes autores, períodos e ambientações. O desenho, assim, segue o ritmo da escrita.

Um dos poréns, por outro lado, é que nem todo leitor de quadrinhos está acostumado —ou disposto— a decifrar as cenas ambíguas de Breccia. Quem vem do mundo dos super-heróis ou das linhas claras dos gibis franco-belgas pode se irritar com a complexidade de alguns trechos de "Lovecraft/Poe". De alguma maneira, é um livro trabalhoso, que exige do leitor que se detenha, largue o celular e preste atenção. As recompensas, é claro, justificam o esforço.

O leitor também precisa estar pronto para ler textos mais longos do que talvez esteja acostumado em outras HQs, principalmente no caso das adaptações de Lovecraft. O bom é que o tradutor Bruno Cobalchini Mattos consegue capturar o horror que, em Lovecraft, era uma qualidade inerente à escrita.

Por exemplo, o narrador fala coisas como "resplendor gangrenoso da chama fria", "rio oleaginoso", "pestanejo das estrelas" e "doloroso timbre burlesco de uma flauta". São palavras que, lidas à noite ao lado das ilustrações de Breccia, podem assombrar um leitor incauto.

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