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Televisão pantanal

Como 'Pantanal' uniu Brasil rachado por Lula e Jair Bolsonaro

Tradicional e progressista ao mesmo tempo, unanimidade da novela tem a ver com contradições inerentes ao enredo

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São Paulo

Que a nova versão de "Pantanal" seria um sucesso, era mais do que esperado. Fenômeno de audiência em 1990 pela extinta TV Manchete, a ponto de abalar a hegemonia da Globo, a novela de Benedito Ruy Barbosa parecia a escolha certa para levantar a combalida faixa das nove da noite da emissora líder.

E foi mesmo. O remake de "Pantanal" superou os 30 pontos no Ibope —cada ponto na Grande São Paulo equivale a 205.755 pessoas— quase todos os dias, uma façanha e tanto para uma época em que o espectador tem a sua atenção disputada por dezenas de canais pagos e plataformas de streaming –algo que não existia 32 anos atrás.

Cena do parto de Juma, vivida por Alanis Guinllen na novela 'Pantanal'
Cena do parto de Juma, vivida por Alanis Guinllen na novela 'Pantanal' - João Miguel Jr./Divulgação

A repercussão também foi a maior desde "Avenida Brasil", exibida há dez anos. Nas redes sociais, era palpável o amor de boa parte do público pela novela. As críticas, raras e pontuais. Num país cindido pela polarização, "Pantanal" foi praticamente uma unanimidade.

Isso talvez tenha acontecido porque Bruno Luperi, que adaptou o texto original de seu avô Benedito, conseguiu equilibrar diversas contradições. A primeira delas emergiu no próprio texto. Mesmo com diversas atualizações e a incorporação de assuntos impensáveis três décadas atrás, "Pantanal" continuou sendo um novelão de raiz. Um folhetim atemporal, com poucos personagens dúbios —os bons são mesmo bons, apesar de alguns pecadilhos, e os maus são terríveis.

Quem diria que, em pleno 2022, um formato tão antiquado como a novela seduziria uma geração alimentada a maratonas de séries e dancinhas no TikTok? A nova "Pantanal" inovou muito pouco. Nem mesmo as discussões que a novela trouxe sobre machismo, homofobia e preservação do ambiente são novidades. Mas foram inseridas de forma orgânica, sem violentar o contexto original, e trouxeram a trama para os dias de hoje.

Por vezes, pareceu que "Pantanal" iria resvalar para o clichê da exaltação da vida no campo. O homem sertanejo, em contato direto com a natureza, não teria as frescuras nem as neuroses de quem vive na cidade grande.

Mas a novela tampouco se furtou a elogiar as maravilhas da tecnologia, com um empurrãozinho do merchandising. A internet chegou à fazenda de José Leôncio, o patriarca encarnado por Marcos Palmeira, assim como detergentes que rendem mais.

Outro contraste interessante se deu entre o realismo fantástico e a violência real, causada por conflitos pela posse da terra. Juma, vivida por Alanis Guillen, virava onça, e o Velho do Rio, papel de Osmar Prado, virava sucuri. Esses avatares zoológicos lutaram contra posseiros e matadores de aluguel.

A versão 2.0 de "Pantanal" talvez tenha surgido no momento certo. O Brasil se desindustrializou nos últimos anos, ao mesmo tempo em que o agronegócio se expandiu e se fortaleceu. A novela refletiu essa nova relação de forças, mas sem cair no maniqueísmo.

Ao mesmo tempo, como aconteceu em 1990, "Pantanal" funcionou como um colírio para os olhos. As paisagens belíssimas captadas por câmeras de última geração, em vez de ralentar ainda mais um ritmo que nunca foi frenético, estimularam o público urbano a sonhar com uma vida mais tranquila.

Apesar do escapismo obrigatório a qualquer novela, "Pantanal" também abordou temas delicados. A homossexualidade de Zaquieu, o mordomo que se tornou peão e foi interpretado por Silvero Pereira, rendeu boas discussões sobre preconceito e discriminação.

A volta por cima de Maria Bruaca, numa atuação marcante de Isabel Teixeira, ganhou tons de empoderamento feminino, mesmo com ela sofrendo horrores até o final. E o racismo, quase ausente na versão original, entrou na trama por meio de novos personagens pretos e pardos.

Tradicional e contemporânea ao mesmo tempo, "Pantanal" uniu o Brasil. Conservadores e progressistas se viram representados e aprendendo a viver juntos. Todas as maldades foram concentradas em Tenório, vivido por Murilo Benício, de uma maneira que tornou o personagem indefensável. Mesmo assim, o ator deu uma certa simpatia cafajeste ao vilão.

"Pantanal" termina em alta, e a Globo suspira aliviada. Sua maior aposta de 2022 deu muito certo. Resta saber se foi só um ponto fora da curva descendente das novelas, ou uma retomada irreversível do gênero mais importante da TV brasileira.

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