Descrição de chapéu
Eduardo Moura

Marília Mendonça tirou jornalismo do home office e o pôs de cara com o Brasil

Acidente que emocionou o país pôs repórteres em contato com o povo, pelo menos por um momento

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São Paulo

"Eu gostaria que vocês tivessem mais respeito com a família", dizia um funcionário, que condenava um repórter em busca de informações sobre o traslado do corpo de uma das maiores cantoras do Brasil recente —jornalista este que preferiria estar em qualquer outro lugar do mundo, mas estava numa funerária no vale do Aço mineiro, numa madrugada abafada de novembro, de sexta para sábado.

Foram vários os acasos que fizeram este jornalista a levar um fecho de um agente funerário em Caratinga, em Minas Gerais, na ocasião da morte da cantora Marília Mendonça.

Fã de Marília Mendonça no velório da cantora - Eduardo Anizelli - 6.nov.21/ Folhapress

O primeiro deles foi ter nascido em Minas Gerais. O segundo foi o acaso da pandemia, que o permitiu fazer home office de Belo Horizonte, perto da família, fugindo dos altos aluguéis de São Paulo.

Outro acaso que contribuiu para o efeito borboleta foi pertencer a uma linhagem composta por um considerável número de membros da população economicamente inativa e ávidos espectadores de programas vespertinos de fofoca.

Em novembro do ano passado, num Brasil que ainda não tinha o perfil Choquei como grande referência de mídia, a profecia veio em forma de mensagem de um parente. "Vi agora na Sônia Abrão que o avião da Marília Mendonça caiu em Caratinga. Será que eles vão te mandar para lá?"

Eles mandaram. A jornada de trabalho que tinha sido iniciada por volta das 8h da manhã terminaria noite adentro, num hotelzinho vizinho à funerária da cidade.

"Ê Bolsonaro, que não para de reformar estrada, hein?", dizia o motorista. Ao longo do tortuoso e esburacado trajeto noturno pela estrada, o repórter ia recebendo capturas de tela em tempo real de outras parentes que monitoravam voluntariamente perfis de Instagram de nomes como Babadeira ou "Gossip não-sei-o-quê".

Além da ânsia por ser testemunha ocular da história, o repórter ainda tinha em comum com a parentada o péssimo senso de localização espacial. Acabou sendo o último a chegar à entrevista coletiva com o médico legista que examinou as vítimas, mas o moço foi simpático e aceitou dar uma palavrinha a este jornal depois que a colega da Globo terminou a passagem.

No dia seguinte, Caratinga respirava normalidade, não havia por lá nenhuma grande demonstração de luto naquela manhã de sábado. Após uma noite mal dormida, alguns goles de café sem açúcar e umas garfadas de um bolo seco de coco ou abacaxi, foi lá o repórter em direção ao local do acidente, numa cidadezinha ainda menor.

A cantora Marília Mendonça - Divulgação

Em Piedade de Caratinga, de menos de 9.000 habitantes, o repórter, clássico menino de apartamento de cidade grande criado a leite com pera e Nickelodeon, ficou fascinado com o que viu, sobretudo com a academia de nome Transformers, que tinha um robozão, uma moça bem forte e um ex-BBB estampados na fachada, as cores desbotadas pelo sol forte do vale do Aço.

Numa era em que os jornalistas vêm sendo criticados por passarem tempo demais no ar-condicionado e tempo de menos junto ao povo nas ruas, o senso de direção falho deste repórter ainda o possibilitou acompanhar uma trilha repleta de moradores da região —jovens, idosos, cachorros, crianças que mal sabiam contar até dez. De chinelo, botina ou descalços, tentavam chegar ao local do acidente, fosse para dar um último adeus à cantora que tanto amavam ou apenas por uma curiosidade mórbida.

Cansado depois da caminhada e preocupado com a hora da entrevista coletiva com a Força Aérea Brasileira, o repórter ainda se fez o favor de esquecer a carteira no botequim onde almoçou, em frente à academia Transformers. Mas o mineiro não falha, e ele conseguiu recuperar o pertence com a moça do bar, que havia guardado a carteira com esmero e dedicação.

Ele então se juntou aos colegas de profissão que já perdiam esse contato direto com o Brasil profundo, num agradável condomínio de luxo que, além de ter uma simpaticíssima proprietária que oferecia café, água e biscoito de polvilho a todos os jornalistas —o mineiro não falha, mesmo—, proporcionava uma visão privilegiada do local do acidente e testemunhas oculares do acidente. Era onde estavam oficiais da FAB e dos Bombeiros.

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