Phoebe Bridgers e Mitski mostram nova era do rock deprê no Primavera Sound

Cantoras atraíram público majoritariamente feminino e LGBTQIA+, e californiana dedicou música ao aborto

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São Paulo

"Essa dói", gritou uma pessoa nos primeiros acordes de uma música que Mitski começava a cantar em sua estreia no Brasil, neste sábado, dia que abriu o festival Primavera Sound em São Paulo. "E qual não dói?", rebateu, rindo, alguém ao lado na plateia antes de o show continuar.

Conhecida como uma das musas da música indie triste, a cantora de 32 anos nascida no Japão e criada nos Estados Unidos fez uma apresentação bem equilibrada entre momentos mais introspectivos e outros mais animados, que faziam o público dançar com os ombrinhos —mas apenas com eles, não vamos exagerar.

Phoebe Bridgers se apresenta no Primavera Sound - Rubens Cavallari/Folhapress

Em cena, Mitski desfilou um repertório que ganhou mais força com sua presença de palco. Ela reuniu faixas de quase todos os seus discos —do último "Laurel Hell", deste ano, a "Bury Me at Makeout Creek", de 2014—, tudo isso enquanto se apresentava a partir de passos inspirados no butô, uma dança teatral japonesa.

Enquanto cantava, ela passava o microfone em sua virilha, deslizava a mão pelo corpo, imitava os ponteiros de um relógio ou fazia movimentos de luta —sempre celebrados pelos fãs, que puxavam coros com o nome da cantora ou "eu te amo" entre uma música e outra.

Mitski faz parte de uma nova leva da música indie aclamada por escrever de forma poética, ora detalhada, ora mais onírica, sobre questões comuns das gerações de 20 e 30 e poucos anos, como corações partidos, raiva, solidão, desesperança com o mundo e todo o tipo de angústia que possa ser sentida.

Em "First Love/Late Spring", por exemplo, cantada no show deste sábado, a cantora parte de imagens simples, como um buraco na janela, a brisa da noite e uma árvore de pêssegos para cantar sobre um amor que a deixa vulnerável a ponto de seu peito parecer que vai estourar.

A roupagem sonora costuma variar entre vocais doces ou rasgados, a depender do nível de raiva que a música exige, e guitarras que caprichadamente vão da melodia mais doce ao som mais esganiçado, geralmente acompanhadas de colagens sonoras que deixam o som cada vez mais caótico antes do silêncio completo.

Quem divide esse fardo do "deprê show" com Mitski no line-up do Primavera é Phoebe Bridgers, que é ainda mais incensada que a companheira de música —com "Punisher", seu disco lançado no começo da pandemia, por exemplo, ela ganhou quatro nomeações ao Grammy. A americana de 28 anos tocou neste domingo, em um show de público mais cheio e até mais responsivo que o de Mitski.

Além da gravadora, Dead Oceans, as duas compartilham uma base de fãs fiel, majoritariamente feminina e LGBTQIA+ —Bridgers é assumidamente bissexual e Mitski nunca falou bem sobre o assunto, apesar de dizer em uma de suas músicas, "Cop Cars", que já amou muitos homens e mulheres—, que as tratam como divas do rock, embora ambas pareçam ter pouquíssima pretensão de se tornarem grandiosas assim.

É como se parte da identidade musical delas se nutrisse justamente dessa alma de artista independente, com uma audiência atenta e dedicada, que sabe todas as letras de cor e de fato presta atenção ao que acontece no palco em vez de se esconder atrás das telas —pedido que Mitski, inclusive, fez aos fãs no começo deste ano via Twitter, e que ecoa o de Björk, outro destaque do Primavera Sound.

Enquanto a cantora de origem japonesa exibe uma presença mais madura e músicas levemente mais dançantes —com mais sintetizadores, por exemplo—, Bridgers se apresenta com a banda vestida com estampas de esqueletos, uma de suas marcas registradas, e postura mais contida, usando apenas sua guitarra, violão e voz, zanzando pelo palco em suas músicas mais animadas.

A primeira parece falar mais sobre a angústia de uma vida adulta, enquanto Bridgers costuma apostar em letras de quem ainda enxerga a vida com uma ironia afiada, ainda que ligeiramente mais triste.

No palco, Bridgers passou por quase todas as músicas do aclamado "Punisher", mas também agradou ao público com "Motion Sickness", de seu primeiro álbum "Stranger in the Alps", de 2017, e a nova "Sidelines", deste ano.

Depois de descer do palco para correr perto dos fãs em "Scott Street", emendou "Chinese Satellite", que dedicou ao aborto. "Eu fiz um e deveria ser seguro para todos."

Essa não é primeira vez que a artista se manifesta sobre o assunto —nos últimos dias, um cover de "Iris", da banda The Goo Goo Dolls, que ela fez junto com sua amiga Maggie Rogers, foi disponibilizado para venda, com a arrecadação a ser repassada para pessoas que precisassem de abortos seguros.

Ela também dedicou "Graceland Too" para os fãs da comunidade LGBTQIA+ na plateia e parou o show duas vezes quando pessoas passaram mal. "Okay, legal, obrigada por serem pacientes", ela agradeceu.

Tanto Bridgers quanto Mitski têm um grande sucesso dançante que se destaca no repertório. Para Mitski é "Noboby", de seu disco de 2018, que fala sobre querer alguém perto para curar sua solidão. Com Bridgers é "Kyoto", talvez seu maior hit, que põe todo mundo para dançar enquanto ela narra a relação difícil com seu pai.

Phoebe Bridgers fecha o show com "I Know the End", que, assim como a faixa "Drunk Walk Home", de Mitski, começa suave e termina num expurgo, com as artistas botando para fora, aos berros e com a ajuda da plateia, todo o desespero que guardam dentro de si.

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