Quem é Phoebe Bridgers, que canta sua tristeza irônica no Primavera Sound em SP

Americana, que integra a nova safra do rock feminino, canta na primeira edição brasileira do festival de Barcelona

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A cantora americana Phoebe Bridgers, que se apresenta na primeira edição brasileira do Primavera Sound

A cantora americana Phoebe Bridgers, que se apresenta na primeira edição brasileira do Primavera Sound Olof Grind/Divulgação

São Paulo

"Não há nenhum lugar como o meu quarto", canta Phoebe Bridgers no primeiro verso de "I Know the End", que fecha o disco "Punisher", lançado em junho de 2020 —apenas três meses depois de o mundo entrar em quarentena e ganhar contornos apocalípticos parecidos com os que ela constrói na faixa com a ajuda de letras, instrumentos e muitos gritos.

A canção funciona, ao mesmo tempo, como um expurgo e uma síntese de boa parte do que se precisa saber sobre a música da americana que desembarca no Brasil pela primeira vez neste domingo, 6. Depois de cancelar sua participação na edição deste ano do Lollapalooza, ela toca no Primavera Sound, festival importado de Barcelona para São Paulo.

A voz de Bridgers é doce enquanto elogia e profetiza a calma e a solidão de seu lugar mais seguro, mas cresce em desespero à medida em que ela sai do quarto e dirige sob a luz ultravioleta do fim do mundo.

Paisagens reais e imaginárias se misturam, e um outdoor que avisa que o fim está próximo ocupa o mesmo universo que uma possível nave alienígena. A música cresce em uma colagem caótica de sons e vozes até chegar a sua catarse. Aos berros, ela atinge sua forma menos sutil —mas tão vulnerável quanto antes.

A cantora de 28 anos ficou conhecida por forjar, já em seu primeiro disco, "Stranger in the Alps", de 2017, histórias baseadas em situações mundanas com maestria e riqueza de detalhes. Anos depois de soltar o disco que ela mesma financiou com o que ganhava com pontas em anúncios de TV e pequenos shows em mercados municipais, ela ascendeu oficialmente com "Punisher" —que rendeu a ela quatro indicações ao Grammy.

A fórmula também é explorada por outras cantoras da safra de rock feminino que despontou nos últimos anos —algumas são amigas próximas, como Lucy Dacus e Julien Baker, com quem lançou o projeto paralelo Boygenius em 2018—mas Bridgers se destaca com o tom de quem encara a tristeza como um sentimento por vezes cômico e inerente à existência humana.

"A médica colocou suas mãos sobre o meu fígado / Ela me disse que meu ressentimento está diminuindo", canta em "Garden Song", em que fala com suavidade sobre a ideia de assassinar um skinhead e enterrá-lo no jardim.

"Sempre me interessei em escrever sobre a profunda solidão que é ser uma pessoa, mesmo quando se tem uma vida cheia de sorte", conta a cantora em entrevista. "Eu gosto de ser conhecida por escrever coisas que eu sinto intensamente", diz.

Criada ao som de músicas que vinham do Laurel Canyon —bairro montanhoso de Los Angeles que virou palco da contracultura norte-americana nas décadas de 1960 e 1970—, ela absorveu algo da franqueza poética e sonoridade folk de Joni Mitchell e a misturou ao emo de bandas como Bright Eyes, que passou a ouvir na adolescência. Nada, no entanto, a influenciou mais que a vulnerabilidade de Elliott Smith. A faixa que dá nome a "Punisher", aliás, pensa um mundo em que o músico ainda está vivo.

Com outros ídolos, como Conor Oberst, Bridgers desenvolveu uma relação próxima. Ela e o vocalista do Bright Eyes lançaram, em 2019, "Better Oblivion Community Center", disco no qual dividem composições e vocais. A cantora também colaborou com Matt Berninger, do The National, e dividiu o palco com Hayley Williams, do Paramore —uma das poucas referências femininas do rock dos anos 2000 que tinha à disposição. "Definitivamente eu encaro isso como uma espécie de validação do meu trabalho. Eu amo me cercar de pessoas por quem eu tenho respeito, a vida fica muito mais legal", diz.

Ao mesmo tempo em que incorpora referências de sua infância e adolescência —ela cita em suas letras artistas como David Bowie, John Lennon e Eric Clapton— a cantora compõe sobre questões próprias da geração millennial, como depressão, ansiedade, relacionamentos tóxicos e a dependência em álcool e drogas de pessoas ao seu redor.

Ela conta que escrever a ajuda a superar estes sentimentos, ainda que, às vezes, leve anos para os acessar. "É como eu processo o que sinto. Algumas coisas são mais rápidas que outras, mas a maioria leva uma eternidade. E tudo bem, é o meu jeito de ser cuidadosa".

O momento em que ela tem de abrir o coração na frente de milhares de pessoas acaba por ser sua libertação. "Em algumas músicas, como ‘Kyoto’ e ‘Moon Song’, consigo me lembrar do que estava sentindo quando as escrevi. Mas no resto do tempo, no palco, penso sobre minha vida, sobre como é divertido tocar. É legal lembrar do que você sentiu quando escreveu aquilo, mas seria muito difícil ter que relembrar todas as vezes", diz.

Bridgers diz não saber avaliar ainda o impacto que os anos reclusa por causa da pandemia terão em seu trabalho —ela passou a maior parte do tempo escutando a música de nomes como Fiona Apple— mas conta que já reconhece um olhar nostálgico do tempo que passou em casa. "Foi um período difícil para fazer música. Eu preciso lembrar a mim mesma de que estava consumida por medo e que as pessoas estavam morrendo. Eu tendo a essa nostalgia em relação ao passado e acabo esquecendo que foi tudo uma merda", conta.

Foi durante a pandemia, no entanto, que Bridgers inaugurou a Saddest Factory Records, gravadora tocada por ela que hoje cuida da carreira de nomes como Claud, Muna e Sloppy Jane —grupo no qual a cantora tocava baixo no começo da carreira. "Eu gosto de trabalhar com bandas que já amo para que o trabalho não seja trabalhoso", ela brinca.

Com seu trabalho autoral e o impulso à carreira de artistas menores, a artista também contribui para mudar a paisagem do rock alternativo que, por muitos anos, foi reduzida a homens brancos, cisgêneros e heterossexuais —o que serve tanto a quem chega na indústria quanto a quem a consome. "É muito triste que tenhamos sido forçadas a nos identificar apenas com meninos brancos na música. Penso que isso mostra quão desesperadas nós estávamos por qualquer tipo de representação", ela disse numa entrevista recente para a Teen Vogue.

Embora tenha se tornado uma das vozes da música indie mais cultuadas por fãs do gênero —tanto por ocupar um espaço em que ela mesma não se via quanto por falar com honestidade sobre sentimentos difíceis—, Phoebe Bridgers se diz pronta para falar sobre novas sensações além da tristeza agora. "Eu estou tentando escrever sobre, sei lá, me sentir bem. Espero que isso também seja interessante para mim", diz.

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