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Saramago, 100, nunca deixou de ser de esquerda apesar de críticas a governos

Frases sobre Cuba e Israel despontam como algumas das mais polêmicas entre comentários políticos do autor morto em 2010

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Buenos Aires

"Sempre que me perguntam como pode ser que eu ainda seja comunista depois de termos sabido dos crimes de Stálin, eu tenho vontade de responder: 'e como se pode o senhor ser católico depois da Inquisição?'", disse José Saramago a um auditório que ria e o aplaudia em uma sabatina da Folha, em São Paulo, em novembro de 2008.

O Nobel português mostrava irritação pela frequência com a qual era questionado, em tom de cobrança, sobre seu posicionamento político. Mas, sempre saía dessas situações com respostas irônicas, que acabavam divertindo o interlocutor.

josé saramago em meio a manifestação com bandeiras
O escritor português José Saramago, em imagem do livro 'Os Seus Nomes', da Companhia das Letras - Arquivo Fundação José Saramago

Na mesma ocasião, afirmou: "como não é nada fácil dar uma explicação sobre por que é que se pensa assim, eu digo que acho que está errado e é preciso fazer alguma coisa para modificá-lo. Neste ponto quase todo mundo concorda. Só que, para mim, sempre foi muito claro de que a esquerda espelhava aquilo que eu podia esperar para essa mudança. Por isso fui até ela, a esquerda comunista. Para aí fui e aí estou."

Foram várias as viagens e encontros que Saramago realizou para reforçar as suas convicções. Esteve com o subcomandante Marcos, no México, nos anos 1990, quando o Exército Zapatista de Liberação Nacional fazia suas manifestações pregando o ideário de Emiliano Zapata, um dos líderes da revolução mexicana, e pediam melhores condições de vida, alimentos, moradia, trabalho, saúde e educação.

O EZLN tinha 5.000 combatentes armados e se propunham a deixar Chiapas, seu Estado natal, para ocupar o poder na Cidade do México.

Também participou da campanha do poeta e ex-guerrilheiro montonero Juan Gelman para recuperar sua neta, roubada ao nascer, quando seu filho foi sequestrado e assassinado durante a ditadura argentina. A garota apareceu em 1998, vivendo no Uruguai.

Embora fosse um crítico do ditador nicaraguense Daniel Ortega, sua defesa do regime cubano durou por muitos anos.

Até que, em 2003, quando soube da morte de três dissidentes, executados por um pelotão de fuzilamento na ilha por tentar escapar, Saramago disse as palavras que colocariam um fim a seu apoio à ditadura cubana: "Cuba não ganhou nenhuma batalha heroica ao fuzilar esses três homens, mas sim perdeu minha confiança, acabou com minhas esperanças nesse sonho que foi a Revolução Cubana, frustrou minhas ilusões".

E fechou com a frase "até aqui, cheguei", que foi muito criticada e debatida, afinal, não eram os primeiros crimes que o regime havia cometido e que eram conhecidos internacionalmente.

Dois anos depois, Saramago voltou à ilha e afirmou que não havia "rompido com Cuba", e sim que continuaria "amigo de Cuba". "E como amigo, me dou o direito de dizer o que penso e dizer quando acho que precisa ser dito." Quando Barack Obama foi presidente dos Estados Unidos, Saramago lhe pediu o fim do embargo internacional e a retirada dos americanos de Guantánamo.

Mais polêmicas causou, também, quando, em uma visita a Ramallah, comparou a política de Israel nos territórios palestinos com campos de extermínio nazistas.

O escritor tinha críticas ao sistema democrático ocidental, que dizia estar doente. Em mais de uma ocasião, em entrevistas e em artigos, afirmou que o voto em branco deveria ser mais usado pelos eleitores como "ferramenta para expressar que a democracia não está funcionando".

Considerava que a democracia era muito limitada, porque permitia ao cidadão "apenas eleger uma pessoa, ou depois tirá-la do poder pelo voto", e que o conceito deveria ser muito mais ampliado.

Sentia falta de revoluções. "Como hoje é muito complicado fazer uma revolução, porque não se sabe muito bem como, com que meios, fazem-se manifestações. Há manifestações contra tudo, mas nada de revoluções. Eu creio que um modo de fazer uma revolução poderia ser um voto massivo em branco numa eleição. O que aconteceria numa disputa presidencial em que 83% dos eleitores votassem em branco?".

Para Saramago, as democracias que existiam eram "formais", mas não "culturais nem substanciais", por isso mostravam fissuras. "O poder real do mundo não é democrático. Não está nas pessoas, mas organismos que são comandados por cidadãos que não escolhemos. Como por exemplo o Fundo Monetário Internacional, que não se interessa por seres humanos".

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