Descrição de chapéu Artes Cênicas

De fuga de bailarinos a adaptação de clássicos, ano teve incerteza nos teatros

'O Que Nos Mantém Vivos' e 'Tatuagem' refletiram instabilidade política do Brasil, algo que deve permanecer nos palcos em 2023

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David Motta Soares, estrela do Bolshoi que se demitiu da companhia russa por causa da guerra na Ucrânia, dança "O Lago dos Cisnes" no Rio de Janeiro Lucas Seixas - 11mai.2022/Folhapress

São Paulo

Para muitos artistas, subir aos palcos continuou sendo uma tarefa difícil, mesmo após a flexibilização do isolamento social. A Guerra da Ucrânia, que se iniciou em 24 de fevereiro, impôs sanções severas contra a Rússia, mexendo no tabuleiro geopolítico do balé clássico.

Os bailarinos brasileiros Victor Caixeta, David Motta Soares e Evandro Bossle, estrelas dos teatros Mariinsky, Bolshoi e Stanislávski, respectivamente, fugiram do território russo no início de março, com o fortalecimento das sanções econômicas ao país invasor.

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David Motta Soares no Rio de Janeiro - Lucas Seixas - 11.mai.2022/Folhapress

Ocupando os mais altos cargos das principais companhias de balé do mundo, eles deixaram suas carreiras em suspenso, diante da impossibilidade de viver no meio de uma guerra —e também sob acusações de apoio ao governo de Vladimir Putin. Afinal, o balé sempre foi usado pelos governantes na Rússia como instrumento de poder.

"Perdi tudo o que sonhei na vida, deixei meu apartamento em São Petersburgo todo mobiliado até com o meu computador", disse Caixeta, que agora é solista no Balé Nacional da Holanda. Bossle mora e dança em Bordeaux, na França, e Soares decidiu expandir o repertório até o contemporâneo, ingressando no Balé de Berlim, na Alemanha.

"Nós, artistas estrangeiros, fomos colocados em um fogo cruzado, porque nos pediam para fazer oposição à guerra, mas trabalhávamos para uma companhia estatal e não podíamos falar nada", disse Soares, quando esteve no Rio de Janeiro, em maio, para dançar "O Lago dos Cisnes", de Piotr Ilitch Tchaikóvski e Marius Petipa.

Na ópera, o ano foi marcado pela montagem de "Peter Grimes", de Benjamin Britten, no Festival Amazonas de Ópera. A obra de Britten recolocou a Inglaterra no mapa da música, e seu libreto vislumbrou um tipo de ópera em que a complexidade psicológica dos personagens ganhou centralidade na narrativa.

Na concepção cênica do diretor colombiano Pedro Salazar, Grimes, um pescador acusado de ter assassinado uma criança de um vilarejo no litoral britânico, sofre uma perseguição similar ao que ocorre nos tribunais da internet.

A atuação do tenor Fernando Portari, responsável por encarnar Grimes, foi tão bem recebida, que a ópera será repetida na edição do ano que vem do festival, que ocorre no Teatro Amazonas, em Manaus.

Em São Paulo, o ano foi marcado por Richard Strauss em dose dupla —"O Cavaleiro da Rosa", no Municipal, e "Ariadne em Naxos", no Theatro São Pedro, ambas as óperas com direção do argentino Pablo Maritano.

Nos dois casos, ele sublinhou a ironia dos libretos de Hugo von Hofmannsthal, deixando como marca seu próprio humor. Coroando o ano no mundo lírico, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Osesp, levou a música de Heitor Villa-Lobos aos Estados Unidos, onde se apresentou no Carnegie Hall, de Nova York, uma das principais salas de concerto do país.

No teatro, a capital paulista recebeu este ano algumas das principais peças apresentadas no país. Foi o caso de "F.E.T.O —Estudos de Doroteia Nua Descendo A Escada", de Gerald Thomas, apresentada, em julho, no palco do Sesc Consolação.

A nova peça de Thomas foi um labirinto de referências, de Marcel Duchamp ao próprio Nelson Rodrigues, talvez a principal inspiração presente no texto. Afinal, Thomas se deteve no surrealismo de "Doroteia", concebida em 1949 por Rodrigues, para criar sua própria versão da trama, um espetáculo sobretudo imagético, com referências também às pinturas de Iberê Camargo.

Já Renato Borghi, de 85 anos, propôs a manutenção de sua crítica à sociedade brasileira com a montagem de "O Que Nos Mantém Vivos", um passo à frente nas pesquisas sobre os textos de Bertolt Brecht, nos quais se debruça desde a década de 1980 com a montagem de "O Que Mantém um Homem Vivo".

Outro sucesso, "Namíbia, Não!", gerou uma turnê com ingressos concorridos e com procura insuflada pela bem-sucedida adaptação cinematográfica, "Medida Provisória", também dirigida por Lázaro Ramos. Ícaro Silva foi a novidade no elenco ao lado do autor, Aldri Anunciação.

Entre os musicais, o Núcleo Experimental montou uma das principais peças do ano, levando aos palcos a biografia da ativista transexual Brenda Lee. A dupla Fernanda Maia e Zé Henrique de Paula reuniu um grupo de atrizes trans encabeçados por Verónica Valenttino e Marina Mathey, que levaram os troféus de revelação e atriz coadjuvante nos prêmios Bibi Ferreira e Destaque Imprensa Digital, os principais voltados ao teatro musical.

"Tatuagem", da Companhia de Revista, de Kleber Montanheiro, recontou a história de um grupo mambembe de teatro no sertão do Brasil durante o período de chumbo da Ditadura Militar.

Para o próximo ano, o anúncio da venda do complexo onde se encontra o Teatro Alfa gera incertezas na classe artística. A expectativa é de que o espaço seja fechado no próximo ano. Ainda que a incorporadora negue, algumas produções já desistiram do palco e tentam buscar outros espaços em São Paulo.

Contudo, o anúncio de que o governo Lula reativará o Ministério da Cultura já com uma ministra indicada, a cantora Margareth Menezes, fez com que o Sesc São Paulo anunciasse a revitalização e administração do antigo Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC, que se tornará uma unidade da rede a ser entregue em 2030.

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