Descrição de chapéu
Filmes AIDS

'Deus Tem Aids' é um filme educativo que quer mudar retrato da doença

Documentário acompanha pessoas soropositivas para uma conversa franca sobre expectativas e preconceitos

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Belo Horizonte

Deus Tem Aids

  • Quando Estreia nesta quinta (1º)
  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 18 anos
  • Produção Brasil, 2021
  • Direção Fábio Leal e Gustavo Vinagre

Um inimigo a ser combatido. Assim é posicionado o HIV nos áudios que ilustram o início de "Deus Tem Aids", documentário de Fábio Leal e Gustavo Vinagre que estreia nesta quinta-feira nos cinemas brasileiros.

Os recortes sonoros, exemplos de matérias e colunas gravadas há quatro décadas, acabam reforçando, inclusive por meio da repetição, que o vírus "nasceu da promiscuidade sexual".

"Por que as imagens que a gente vê hoje são praticamente as mesmas de 40 anos atrás?", perguntam os entrevistadores fora de quadro, ainda no início do filme, a um dos personagens que irão compor a narrativa. O homem, que segura um globo de disco em suas mãos, então hesita. E o título surge em tela.

três homens nus num palco
Cena do documentário 'Deus Tem Aids', de Fábio Leal e Gustavo Vinagre - Divulgação

Pode ser útil fazer uma leitura de "Deus Tem Aids" que toma como base a conversa. O próprio filme faz isso, no final das contas. Acompanha pessoas soropositivas —precisamente, sete artistas e um médico ativista— e as deixa confortáveis o suficiente para uma conversa franca sobre o vírus e a doença, sobre vida e morte, sobre expectativas e preconceitos.

A estratégia utilizada para o filme dar vazão a personagens e histórias tão diversas também ajuda a entender as particularidades dessa conversa. Afinal, o documentário não acompanha apenas o testemunho dessas pessoas, no formato tradicional de uma entrevista. O trunfo do filme talvez esteja em acompanhar também os processos artísticos das personagens retratadas, registrando performances, peças, bordados, pinturas e poemas, entre outras expressões.

No documentário, a arte, ao passo que não se esforça para dar conta de toda a complexidade que envolve o tema, acaba garantindo a possibilidade de múltiplas entradas e saídas, trazendo um toque de dinamismo à conversa, para continuar na comparação sugerida, e possibilitando uma experiência mais empática.

Numa das cenas, por exemplo, o filme registra uma mulher negra que anda pelo espaço público da cidade de São Paulo com um letreiro luminoso que pisca a sentença "eu não vou morrer". Na sua roupa, está carimbada a palavra "soropositiva". Ela então se banha numa bacia, como se lavasse o próprio corpo dos estigmas e preconceitos que os olhares alheios lhe dirigem —nunca do vírus em si.

Noutra, um homem leva dois banquinhos para uma praça e ergue um cartaz onde se lê o convite "vamos conversar sobre HIV e Aids". As pessoas que ali atravessam, sentam e compartilham suas próprias experiências e dúvidas sobre o assunto acabam trazendo outras perspectivas para a performance.

Permitem, dessa forma, o sucesso da proposta educativa que o filme traz consigo e a possibilidade de imersão, ainda que naturalmente limitada, em suas questões e angústias.

É especialmente significativo o corte que o filme faz entre uma dessas conversas e uma cena de afeto. Na sequência em questão, um dos artistas narra a sua dificuldade inicial de transar quando descobriu ser uma pessoa soropositiva. Para ele, a situação mudou nos idos de 2016, quando a ciência comprovou a equação "indetectável é igual intransmissível" —ou seja, o fato de que uma pessoa com baixa quantidade de vírus no sangue, resultado do tratamento, não transmite HIV.

Leal e Vinagre então exibem, logo a seguir, um beijo entre dois homens filmado em primeiro plano. Carinho, intimidade e tesão saltam daquele enquadramento, representação visual de que este é um filme sobre vida; sobre corpos que se amam e que existem em plenitude.

"Eu quero criar imagens de pessoas soropositivas gozando", uma das entrevistadas diz. E o filme sublinha essa vontade quando registra, sem pudor, uma performance que trabalha a imagem do sangue, retirado do próprio corpo da artista, e o prazer do sexo anal, seja consigo, seja com o outro. Orgasmo que liberta convenções e estereótipos, tal como o título que, por chocar expectativas, também reforça compromissos inadiáveis.

Ao fim, quando registra um homem nu dançando no último andar de um prédio, "Deus Tem Aids" faz de sua narrativa uma ode ao corpo. Ao corpo livre, expansivo, desnudo e performático, que come e que dá, e que existe apesar daqueles que o preferem morto.

Não à toa, o filme ressalta, em seus letreiros finais, o esforço do ainda presidente Jair Bolsonaro em esvaziar as políticas públicas de combate à Aids. Mas prefere se encerrar com uma palavra de ordem, que ressoa para além do cinema: "positivas vivas!"

Sempre vale lembrar: 1º de dezembro, dia de estreia do filme, é a data que também marca o Dia Mundial de Combate à Aids. A estreia do longa numa ocasião como essa reforça o compromisso e a contribuição de sua narrativa para a luta.

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