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Cristina Padiglione

Bonner revela morde e assopra da Globo com PT ao narrar posse de Lula

Tom deslumbrado na transmissão deste domingo destoa do Jornal Nacional implacável na cobertura do mensalão

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São Paulo

Assim como o terceiro governo de Lula não será igual ao primeiro e ao segundo, a postura de William Bonner, tida como uma personificação da linha editorial da TV Globo, virá diferente. O bom humor do âncora durante a transmissão da posse deste 1º de janeiro nem parecia vir do mesmo titular de um Jornal Nacional implacável com o PT na cobertura do Mensalão, da Lava-Jato e do impeachment de Dilma Rousseff.

Enquanto Renata Lo Prete exibia mais tecnicidade e apresentava informações objetivas, Bonner dava ênfase à plasticidade e à beleza das imagens da "grande festa da democracia", dizendo sem medo de ser feliz que "até as nuvens do céu de Brasília estão mais bonitas".

William Bonner e Renata Lo Prete
William Bonner e Renata Lo Prete - @renataloprete no Instagram

Vamos combinar que as cenas de celebração da multidão, com espectadores que disputaram palmo a palmo um espaço para ter uma boa visão do discurso e dos shows, são um prato cheio para a audiência da TV aberta. Era preciso aproveitar o embalo. Fechar a cara diante daquelas imagens seria uma insanidade editorial e comercial.

Na TV paga, o público quer mais do que alguém que jogue para a torcida, daí vêm os investimentos em times maiores de comentaristas. Mas, até na GloboNews, o tom entusiasta não se acanhou. Miriam Leitão, outrora tão crítica ao PT e a Lula, evidenciava claramente seu alívio com a troca de presidentes. Por pior que fossem suas impressões sobre o petista no passado, o antagonismo com o bolsonarismo ressignificou tudo.

Esse quadro, no entanto, está longe de significar que a Globo será mais fofa com Lula do que foi no passado, ao menos no sentido de cobrar ações e resultados de quem responde pelo poder público.

É fato que, em 2018, os telejornais da casa foram praticamente acríticos à prisão de Lula por ordem do então juiz Sergio Moro, que costumava ter suas decisões estampadas por boa parte da imprensa sem questionamentos.

Na Globo, Chico Pinheiro noticiou a prisão em uma edição de sábado do Jornal Nacional e foi repreendido internamente por um áudio de WhatsApp vazado em que defendia a arbitrariedade da decisão de Moro.

Dispensado pela Globo no ano passado, Pinheiro viria a compor o grupo de consultores que auxiliou Lula em sua primeira entrevista ao Jornal Nacional como candidato. Ao abrir a sabatina, Bonner fez questão de iniciar a conversa com uma premissa —"o senhor não deve nada à Justiça".

Para quem entendeu e se lembra que a Globo foi injusta com Lula durante todo o processo que levou à sua prisão, a declaração do apresentador soou como um pedido de desculpas da emissora ao então candidato do PT.

Àquela altura da sabatina no Jornal Nacional, Lula já mostrava ser a única opção viável para derrotar Jair Bolsonaro, com quem a Globo teve péssimas relações. Mas é preciso lembrar que, também com Bolsonaro, a emissora não exibiu enfrentamento nem oposição logo de cara. As transmissões de Brasília do 1º de janeiro de 2019 mereceram igualmente menções à "grande festa da democracia".

Historicamente, a Globo não é de partir para o enfrentamento, fama que a persegue desde a ditadura militar, mas tampouco é de se submeter a desmandos e ameaças, como logo acabou acontecendo com Bolsonaro, que não demoraria a ameaçar a emissora, dizendo que não renovaria sua concessão para ir ao ar e que reduzira a verba publicitária destinada ao canal.

O primeiro round da guerra entre Bolsonaro e Globo, no entanto, viria só quase 11 meses após a posse. Foi na ocasião em que a emissora noticiou que o porteiro do condomínio onde Bolsonaro morava, no Rio de Janeiro, atestava que ele, ainda deputado, havia liberado a entrada de Élcio de Queiroz, preso pelo assassinato de Marielle Franco, no dia do assassinato da ex-vereadora.

Bolsonaro disparou a xingar a Globo. Meses depois, a polícia desmentiria a versão do porteiro. Em abril de 2020, quando a emissora mais uma vez abraçou Moro, que tinha deixado o governo atirando contra Bolsonaro, as relações azedaram de vez. Ao longo de quatro anos, Bolsonaro deu entrevistas exclusivas à CNN Brasil, ao SBT, à Record, à Band e principalmente à Jovem Pan, mas nunca à Globo.

A despeito do momento de lua-de-mel normalmente alimentado pela emissora em todo início de governo, está claro que o contexto pós-Bolsonaro desperta nos profissionais da casa e em sua linha editorial um espírito de trégua, de paz e de que dias melhores virão.

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