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Repetitivo, 'Dentes', de Domenico Starnone, vê um homem desfigurado

Quarto título do escritor italiano publicado no Brasil é talvez o romance que mais deve desagradar a todos os seus leitores

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Fabiane Secches

Psicanalista, crítica literária e pesquisadora de literatura na USP

Dentes

  • Preço R$ 64,90 (176 págs.); R$ 44,90 (ebook)
  • Autoria Domenico Starnone
  • Editora Todavia
  • Tradução Maurício Santana Dias

Ao lado de Elena Ferrante, Domenico Starnone, nascido em Nápoles no ano de 1942, é um dos escritores italianos vivos mais lidos no mundo. No Brasil, temos quatro de seus romances traduzidos e publicados pela editora Todavia, todos em versão para o português feitas por Maurício Santana Dias —tradutor experiente e premiado, de Dante a Pirandello, Dias também traduziu a tetralogia napolitana, considerada a obra-prima de Ferrante.

Os títulos publicados por aqui, todos romances curtos, são: "Laços" (que dialoga de forma muito interessante com "Dias de Abandono", de Ferrante), "Assombrações" (talvez o mais interessante, embora todos estejam acima da média da literatura contemporânea), "Segredos" (impossível de largar até o final) e o recém-lançado "Dentes".

Capa do livro 'Dentes', de Domenico Starnone, pela editora Todavia
Capa do livro 'Dentes', de Domenico Starnone, pela editora Todavia - Divulgação

Podemos encontrar elementos em comum entre as quatro obras, como a predominância de narradores masculinos que, cada qual a seu modo, são confrontados com o que podemos chamar de crise da masculinidade, em geral, no mundo atual.

São homens mais velhos, um tanto perdidos diante do novo contexto social e político, que reivindica a revisão de papéis antigos, consolidados por séculos. Seus narradores são homens cultos, mas frágeis e também narcísicos, que se debatem ora de forma comovente, ora constrangedora, quase engraçada, e ora de forma repulsiva.

Em "Dentes", o narrador e protagonista nos conta que, logo após uma briga doméstica, um cinzeiro é lançado em sua direção e o atinge em cheio na boca. "No início da tarde de 6 de março de três anos atrás, perdi dois incisivos numa tacada só. Eram os que me serviam para pronunciar meu nome".

A desfiguração física e psíquica está colocada logo nas primeiras linhas. Junto com os dentes, ele perde a capacidade de pronunciar o próprio nome, que podemos pensar como uma perda de identidade, uma crise de subjetividade.

Mais tarde, descobrimos que ele perde também a habilidade de articular outras palavras e se torna uma pessoa que dificilmente consegue ser ouvida e compreendida. Acompanhamos então suas andanças de dentista em dentista, em consultas angustiantes, que além de não resolverem a questão mais imediata, ainda acrescentam problemas novos —cada dentista aponta algo grave em sua boca e, assim, despertam rememorações dolorosas.

Através delas, sabemos que o prognatismo e os próprios dentes, "dentes de crocodilo", sempre foram fonte de sofrimento para o protagonista. Agora, ao mesmo tempo em que tem a chance de lidar com algo há muito recalcado, oscila entre falsas esperanças e temores ainda mais perplexos, como se guardasse em si mesmo um outro "eu" misterioso.

Embora tenha uma premissa original, bem como passagens e imagens muito interessantes, o romance tragicômico também é repetitivo —talvez propositalmente— e aborrece pelo uso excessivo de onomatopeias, dando ao livro um tom um pouco infantil, o que não cai de todo mal. Mas, de todas as obras do autor publicadas no Brasil, "Dentes" parece ser a que tem menos potencial de agradar.

Curiosidade: o livro abre com a dedicatória "Para Anita" —presume-se que se trate de Anita Raja, esposa do escritor há décadas, e provável nome por trás do pseudônimo Elena Ferrante. Ao terminar a leitura, fica a dúvida se a dedicatória é uma provocação (as mulheres do livro e as relações do protagonista com elas não são retratadas de forma lisonjeira) ou um agradecimento — talvez, sem Raja, Starnone teria se tornado tão patético e obsoleto quanto o seu narrador. Mas isso nunca poderemos saber.

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