Descrição de chapéu
Tony Goes

Saiba 9 razões para o fracasso de 'Travessia', com Cássia Kis e Jade Picon

Aposta em mocinha inexperiente, fogo amigo de 'Todas as Flores' e falta de química entre os personagens explicam baixa audiência

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Reza a lenda que o Brasil conta com mais de 200 milhões de técnicos de futebol. Pelo jeito, temos uma quantidade equivalente de críticos de televisão. Não faltam, nos sites especializados ou nas redes sociais, críticas mordazes à novela "Travessia" atual ocupante da faixa das 21h da Globo.

Jade Picon e Chay Suede
Chiara (Jade Picon) e Ari (Chay Suede) em cena na novela 'Travessia', da Globo - Fabio Rocha/Divulgação

A trama de Gloria Perez vem atingindo índices de audiência bem abaixo do esperado, e angariando a antipatia de boa parte do público. Listamos, a seguir, algumas das possíveis causas para este fracasso.

1. Novelas em que a tecnologia tem papel importante nunca vão bem

"Travessia" deslancha quando Brisa, feita por Lucy Alves, tem seu rosto colado no corpo de uma ladra de bebês, e o vídeo viraliza. Ela então é perseguida nas ruas de São Luís, no Maranhão, e foge escondida para o Rio de Janeiro. Aparentemente, um bom começo de trama.

Mas envolve internet e "deepfake", uma tecnologia avançada ainda desconhecida pela maioria da população.

Gloria Perez foi a pioneira na introdução da internet numa novela brasileira, com "Explode Coração", de 1995. Uma novidade tão grande à época que, para melhor compreensão do público, era chamada de "rede mundial de computadores".

Mas não houve didatismo suficiente para salvar do fracasso folhetins como "Tempos Modernos", de 2010, ou "Geração Brasil", 2014, que falavam de inteligência artificial e outros avanços cibernéticos. A Globo deveria ficar mais esperta quando um autor chegar com ideias do gênero.


2. A pesada herança de 'Pantanal'

Gloria Perez celebrou o fato de sua novela estrear na sequência de "Pantanal", pois o horário já estaria "aquecido". Desde "Avenida Brasil", de 2012, que uma atração das 21h não atingia uma audiência tão grande, nem tamanha repercussão na web e na vida real.

Porém, desde a estreia, "Travessia" ficou muito aquém dos números da antecessora, e as comparações se tornaram inevitáveis.


3. A concorrência 'amiga' de 'Todas as Flores'

"Travessia" ainda deu o azar de entrar no ar poucos dias antes de "Todas as Flores" chegar ao Globoplay. A trama de João Emanuel Carneiro, prevista para a faixa das 21h da Globo, acabou sendo encurtada e desviada para o streaming, abrindo a vaga para Gloria Perez.

Mas sua superioridade logo se fez notar. Apesar de ser um novelão clássico, sem inovações, "Todas as Flores" conta com boas histórias, elenco bem escalado, núcleo de humor —que falta em "Travessia"— e ritmo mais ágil. Não faltam reclamações de que já deveria estar na TV aberta.


4. Estreia de Jade Picon merecia ser cercada por maiores cuidados

Perdoem-me os puristas, mas Jade Picon tem mesmo o potencial de se tornar uma grande estrela —beleza estonteante, raciocínio rápido, ótima presença em vídeo.

Mas claro que lhe faltam anos e anos de escola de teatro. Sua imagem de patricinha também aliena parte do público, que a eliminou sem dó em seu primeiro paredão no BBB22.

Mas a Globo apostou na moça, contratou-a como atriz e jogou-a às feras num dos papéis centrais de "Travessia" —justamente a patricinha Chiara, que ainda comete o sacrilégio de falar com sotaque paulistano em pleno Rio de Janeiro. Um pouco mais de cuidado com o lançamento de sua nova estrela poderia poupá-la e, quem sabe, garantir uma carreira longa para ela.


5. Falta de química entre os protagonistas

Lucy Alves nasceu para viver Brisa: tem beleza, carisma, talento e, apesar de ter nascido na Paraíba, convence totalmente como uma maranhense. Chay Suede, que faz seu namorado Ari, provou em "Amor de Mãe" que é um ator de primeira linha.

Só que os dois juntos não deram liga. Talvez seja culpa do roteiro. Brisa age feito boba quando deveria ser forte, e Ari em atitudes tão dúbias que fazem com que o público torça para que o casal não fique mesmo junto.


6. Ausência de uma grande vilã

As obras de Gloria Perez carecem dessas bandidas épicas que entraram para o nosso DNA cultural, como Odete Roitman, Carminha ou Nazaré Tedesco, todas criadas por seus colegas.

A personagem que mais se aproxima deste molde em "Travessia" é Núbia, a mãe de Ari, interpretada por Drica Moraes. A atriz já encarnou outras personagens do gênero e certamente brilhará se a autora aumentar a voltagem de suas maldades.


7. O fator Cássia Kis: execrada por metade do público

Intérprete da executiva Cidália, a excelente atriz ganhou manchetes depois de se converter ao mais radical catolicismo, se posicionar contra o aborto, soltar declarações homofóbicas, apoiar Bolsonaro, infernizar colegas de elenco e rezar na porta de quartéis em companhia de golpistas.

Nada disso afetou sua atuação, mas sua presença na tela se tornou penosa para muita gente.


8. Gloria Perez começa a perder as estribeiras nas redes sociais

A autora, entusiasta de web desde os primórdios, sempre foi muito cordata em suas redes sociais, onde posta sobre os mais diversos assuntos. Mas as críticas a "Travessia" afetaram seu humor.

A uma internauta que reclamava da trama, Gloria reagiu com "fez o L, é, fia?", como se o suposto fato da moça ser eleitora de Lula a desqualificasse. Um post recente do perfil Choquei no Twitter mostrava que o capítulo de 31 de dezembro cravou apenas 14,8 pontos de audiência. "Esse é o pior índice da história para uma novela no horário", dizia a postagem.

"No caso, História é com H maiúsculo, tá? De nada. Feliz ano novo", respondeu Gloria. Não, no caso história pode ser com H minúsculo "memo". Não há nenhuma regra que obrigue.


9. A autora parece ter perdido contato com o Brasil de hoje

Mesmo se não tivesse Jade Picon ou Cássia Kiss no elenco, "Travessia" ainda seria uma novela ruim, quase estrambelhada. Gloria Perez, a mais fiel discípula de Janet Clair, segue quase à risca o mantra de sua mentora: dane-se a realidade, vamos voar.

Exceção foi sua penúltima obra, "A Força do Querer", que tratou de forma verossímil assuntos como narcotráfico e transexualidade —e, não por acaso, foi um sucesso de crítica e audiência.

Ainda que siga séries no streaming com premissas absurdas, o brasileiro tem uma expectativa diferente diante das novelas: elas se consolidaram como o espelho dramatúrgico do país, refletindo nossas preocupações daquele momento.

Clássicos como "Vale Tudo" e "Pantanal" conseguiram fazer isto. "Travessia" é a novela errada na hora errada, e será esquecida rapidamente.

Erramos: o texto foi alterado

A novela "Explode Coração" foi lançada em 1995, não em 1997.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.