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Como 'Red', no Oscar, gerou polêmica sobre o espaço de artistas amarelos no Brasil

Versão brasileira da animação da Pixar levou estrelas brancas para dublar a produção que destacava a comunidade asiática

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São Paulo

Depois de ver "Red: Crescer É uma Fera", filme lançado no Brasil em março do ano passado, artistas questionaram nas redes sociais a falta de dubladores de ascendência asiática num longa que dá grande destaque para essa comunidade —ainda pouco representada no audiovisual.

A animação da Pixar, que concorre ao Oscar, fala de uma jovem canadense Mei Lee, filha de pais chineses, que, no auge da puberdade, sofre uma maldição da família que a transforma num panda vermelho gigante.

Cena da animação "Red: Crescer é uma Fera", que Domee Shi dirige para a Pixar
Cena da animação 'Red: Crescer É uma Fera', que Domee Shi dirige para a Pixar - Divulgação

O projeto é de Domee Shi, de ascendência chinesa e que se tornou a primeira mulher a dirigir um filme do estúdio. Mais que isso, todo o elenco principal de dubladores são estrelas dessa comunidade.

É o caso da estreante Rosalie Chiang, que dá voz à protagonista —no Brasil, ficou a cargo de Nina Medeiros, jovem profissional do ramo—, além da estrela de "Killing Eve" Sandra Oh, como a mãe —aqui é Flávia Alessandra—, do veterano James Hong, como um líder religioso —dublado por Ary Fontoura—, e do já reconhecido Orion Lee, como o pai da menina —que se tornou Rodrigo Lombardi no Brasil, fechando a trinca de estrelas da Globo.

Daí uma das principais reclamações de artistas amarelos no país —como são declaradas as pessoas descendentes de imigrantes do leste asiático— é a de que recebem papéis rasos e estereotipados. E quando surge uma obra com essa preocupação, como "Red", acabam sendo esquecidos.

"Foi triste ver que um trabalho desses chegou aqui sem o cuidado de colocar pelo menos um dublador asiático", afirma a atriz Chan Suan, chinesa que veio para o Brasil com cinco anos, e atuou na novela "A Dona do Pedaço". "Me senti completamente apagada como amarela vivendo no Brasil", destacou, lembrando ter se reconhecido na história de "Red".

A atriz chinesa Chan Suan com blusa salmão de gola alta
'Me senti completamente apagada como amarela vivendo no Brasil', diz a atriz chinesa Chan Suan - Vinicius Bertolli/Divulgação

O mesmo aconteceu em outras animações de outros estúdios que mergulham na cultura asiática, como "Raya e o Último Dragão", da Disney, e "A Caminho da Lua", da Netflix, cujo elenco original em inglês também priorizou artistas da comunidade. Contatados pela reportagem, os estúdios e responsáveis pela direção da dublagem nacional não quiseram comentar o assunto.

Nesse mercado, as vozes também vêm de celebridades sem experiência no ramo, mas que funcionam como marketing —os chamados "star talent". Foi o caso de Luciano Huck como Flynn Ryder em "Enrolados" e Marcos Mion substituindo o experiente Guilherme Briggs como Buzz Lightyear no longa lançado em junho de 2022.

Mas a tendência de aproximar as vozes com questões identitárias não é nova, e até teve um bom exemplo no Brasil com o último "Rei Leão", de 2019. Se o elenco original tinha ninguém menos que Beyoncé e Donald Glover nos papéis de Nala e Simba, aqui a ancestralidade negra ficou a cargo da cantora Iza e do ator Ícaro Silva.

Segundo Mayara Araujo, doutoranda em comunicação pela Universidade Federal Fluminense, a falta de representatividade na mídia acentua "a invisibilização e apagamento de outros corpos brasileiros".

"Não se trata de uma questão que se relacione simplesmente com o ‘aparecer em tela’, mas, sim, com a estrutura da indústria. Por que conhecemos tão poucos nomes de atores brasileiros-amarelos?", ela pergunta.

O ator e dublador Carlos Takeshi, conhecido pela versão brasileira do herói Jaspion, acredita que escalar atores racializados para essas animações pode trazer sutilezas significativas. "É importante para a verossimilhança. Pode parecer um requinte bobo, mas você acaba cometendo erros colocando quem não entende do assunto."

O ator Carlos Takeshi em cena do filme 'Copa 181'
O ator Carlos Takeshi, dublador do personagem Jaspion - Divulgação

Ele lembra que, durante a dublagem de "Jaspion", conseguia opinar sobre falas que não batiam com o original por ter domínio do japonês, e acredita que a adaptação de muitas obras com artes marciais acaba ficando caricata por essa razão.

Mesmo que o artista não tenha relação próxima com a cultura, o reconhecimento pode trazer sensibilidade ao trabalho, diz a atriz Ana Hikari, conhecida por seu papel na série "As Five". "Nem todos os artistas asiáticos vão conhecer aquele universo, mas podem trazer essa carga ancestral."

A atriz Ana Hikari  com vestido azul e botas de cadarço de cano longo
A atriz Ana Hikari, da série 'As Five' - Giselle Dias/Divulgação

O diretor de dublagem Raul Labancca reforça que a reivindicação de oportunidades deve vir aliada à preparação profissional. No caso de atores que não têm muito conhecimento da cultura retratada, o estudo é indispensável. "Se o diretor tiver a possibilidade de trabalhar com um ator bem preparado e próximo do personagem, vai ampliar as possibilidades de interpretação. Só não deve ser uma obrigação", ressalta.

"Ao mesmo tempo, existem trabalhos que necessariamente são inclusivos", diz Labancca, que lembra o caso da série britânica "Pablo", da Nat Geo Kids, desenho animado sobre uma criança com autismo e que teve a dublagem feita por pessoas que se enquadram no espectro.

Em paralelo, na última temporada de "The Umbrella Academy", da Netflix, o personagem Viktor, do ator trans Elliot Page, é dublado pelo ator trans não binário Marun Reis. Até na audiossérie "Batman Despertar", parceria do Spotify com a Warner, o Homem-Morcego foi interpretado pelo atores negros Winston Duke, de "Pantera Negra", no original americano, e Rocco Pitanga, no Brasil.

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