Descrição de chapéu
Roberto Barreto

Este Carnaval é um ritual pós-guerra, mas estamos longe do futuro desejado

Guitarrista do BaianaSystem relembra história do grupo, que se apresenta sábado em São Paulo, e projeta próximas festas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Bloco de Carnaval da banda BaianaSystem

Bloco de Carnaval da banda BaianaSystem Divulgação

Roberto Barreto

Idealizador e guitarrista do BaianaSystem

No disco de estreia em 2009, num momento onde ainda não se falava em baixar as cordas e a "festa" há muito tempo dava sinais de exaustão, percebíamos o Carnaval na sua dimensão estética, social e política, como parte fundamental para a construção do BaianaSystem.

O sentimento era que nada novo poderia ser sugerido ou pensado na cena musical baiana sem reverenciar e dialogar com os mestres. Passado e presente para fazer o futuro.

E a pergunta "como serão os futuros carnavais?" ecoava na faixa "Frevofoguete" do disco de estreia que tinha a bordo os comandantes Gerônimo, Roberto Mendes, Letieres Leite, dando um norte para nossa primeira participação no Carnaval e a concepção do bloco Navio, que já no ano seguinte se lançaria em mares nada favoráveis para navegar.

Bloco de Carnaval da banda BaianaSystem
Bloco de Carnaval da banda BaianaSystem - Divulgação

O mar azul do Badauê e todos os blocos afro, afoxés e batucadas já não era mais avistado e era preciso se apresentar como pirata até mesmo para iniciar alguma rota.

O Carnaval em cada esquina de Moraes Moreira, homenageado neste ano, já era tão incerto quanto a própria participação de Moreira na festa que ele ajudou a moldar com sua voz e poesia, e o próprio morreu tendo que a cada ano brigar por um lugar na avenida.

A partir dessa gênese o Navio Pirata veio ano após ano, no melhor estilo soundsystem, ensinado pelo paredão MiniStereo Público Sistema de Som, construindo e reconstruindo suas caixas para dar voz a muito mais do que música, muito além da guitarra baiana e do canto dos refrões.

É uma catarse que se converteu em um entendimento de qual comportamento e discurso seriam necessários para transformar as ruas, as pessoas e as instituições, para transformar o próprio Carnaval.

Passados 12 anos e o hiato da pandemia, o Navio Pirata voltou a navegar na avenida para, juntamente com o mar de gente que dá sentido a tudo que falamos até aqui, expor nosso manifesto.

Um momento muito esperado e emblemático que vivemos em dois encontros históricos, primeiro no circuito Dodô e por último no Osmar, em meio a toda a euforia volta a mesma pergunta. "Como serão os futuros carnavais?"

Tentando entender um pouco da visão que Russo tem de cima do Navio e sua condução muitas vezes sensitiva de tudo que está envolvido ali, perguntei sobre o que ele sentia desse último Carnaval, compartilhando esses pensamentos e essa linha do tempo.

Ele disse que "as pessoas ocupam ruas carregadas de histórias em suas esquinas, o solo já foi adubado com sangue e suor, palavras flutuam nas músicas pregando todas as vontades de um povo que segue os caminhões e seus instrumentos ancestrais.

Os olhares estão mais sensíveis, qualquer emoção pode ser amplificada, qualquer pessoa pode ser exaltada, pois nesse Carnaval temos deusas e deuses operando milagres dentro dos nossos 'organismos' físicos e políticos.

As cabeças que balançam carregam ideias sem vícios, pois passamos pelo pior, não se fala muito nisso, mas sabemos que estamos num ritual pós-guerra, essa é uma celebração de passagem que no seu mais profundo sentido chora pelas pessoas que não estão mais aqui.

Os corpos fazem de tudo para dançar liberdade e gritar respeito, para explodir sem colidir, para avançar sem derrubar, para produzir um suor que permita a mais perfeita movimentação das peles que se tocam.

As mãos se alongam livres dos celulares e nunca foram tão importantes numa festa onde as palmas carregam muitos sentidos. Palmas são alertas, palmas fazem a festa, palmas fazem as trilhas permanecerem abertas, palmas agradecem somente aos que merecem.

Os pés, ah! Os pés! Esses hoje têm um lugar único. Eles marcam a trilha no caminho para quem cultiva um futuro ancestral. O passo que marca esse Carnaval continua sendo de atenção.

Muita atenção com o que vem pela frente! Muita atenção com o que passamos tempos atrás. É o caminho que nos faz e ainda estamos longe do lugar desejado. Marque a trilha no caminho para quem cultiva o futuro ancestral."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.