Lucas Arruda reimagina litoral paulista em telas exibidas em mostra de Madri

Brasileiro inaugura 'Assum Preto' no Ateneo com quadros que revisitam sua infância em várias paisagens botânicas

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Madri

"Assum Preto" é o nome da exposição que pousou esta semana em Madri. Mas nenhum assum preto, ou qualquer outro pássaro, foi pintado pelo artista brasileiro Lucas Arruda para sua mostra.

Em vez disso, ele apresenta 27 pinturas de vegetações, matas, folhagens e árvores típicas do clima tropical úmido da mata atlântica brasileira. "Venho acumulando essas obras nos últimos dez anos, o que possibilitou esse recorte", disse ele na véspera da abertura da exposição, que aconteceu nesta quarta (1).

Obra de Lucas Arruda - Divulgação

É um recorte um tanto surpreendente para quem acompanha o trabalho de Arruda, 39, que já tem bom trânsito no mercado artístico, tendo exposto individualmente em países como Bélgica, Alemanha, Itália e Reino Unido e Estados Unidos e, agora, estreia na Espanha.

Suas sobras, em geral, tratam de horizontes, paisagens infinitas com traços impressionistas, entre a abstração e o figurativo, de linhas e cores suaves. A mudança para as vegetações, ele conta, tem raiz no litoral paulista, para onde vai desde a infância, em uma casa da família na região de Barra do Una.

Além da mata em si, ele encontra inspiração na literatura que a envolve, citando histórias do curupira e de oxossi, ambas entidades protetoras do verde, a primeira vindo do folclore tupi e a segunda, do candomblé.

"O que faz muito sentido para mim é que a mata ocupa um lugar imaginário e que guarda mistérios", contou ele.

Já para o curador da exposição, o suíço Hans Ulrich Obrist, as obras abrem "visões inesperadas que dão origem a narrativas e encontros, um elo entre visibilidade e invisibilidade, o paradoxo de um segredo público bem guardado".

Mistérios, segredos... Mas vamos nos ater à palavra "imaginário", dita pelo artista. As florestas que Arruda pinta não são reais. Isso quer dizer que se você caminhar pelo sertão das praias de São Sebastião jamais vai se deparar com exatamente aquelas árvores que estão no quadro.

"São mesmo matas imaginadas, lembradas. Mas frequento muito a mata atlântica, a Serra do Mar", explicou. Sem ter uma formação ou interesse mais profundo, Arruda diz que curte botânica, o que parece ser fundamental para tirar essas formações do fundo da memória.

O resultado são quadros quadrados, em geral com cerca de 40 centímetros de lado, com uma enorme variedade de tons verdes delicados, feitos com tinta óleo sobre tela. Aqui entra uma técnica para que esses verdes não sejam brilhantes e para que reflitam menos luz. "Misturo cera de abelha ao óleo para esmaecer a cor", contou.

O local da mostra conversa intimamente com os trabalhos expostos. Trata-se da biblioteca do centro cultural Ateneo de Madrid, no centro da cidade. Essa biblioteca tem um caráter enciclopédico, com bom catálogo de publicações científicas, botânicas inclusive.

Nas escrivaninhas reservadas para o público, as luzes de leitura acesas, as pinturas foram dispostas deitadas, alternando-se com livros de botânica da biblioteca e alguns outros que Arruda trouxe de São Paulo. Três quadros apenas, maiores, ocupam uma parede. A exposição é promovida pela Fundación Sandretto Re Rebaudengo Madrid.

Da produção exibida, três ou quatro matas são mais novas, "mais densas", feitas já com a exposição "Assum Preto" em mente. O que nos leva novamente ao nome da mostra. Terminemos com a explicação desse mistério.

"Vem daquela música que talvez você conheça, do Gonzagão, que tem uma versão muito bonita da Gal Costa. É uma música que meu pai cantava para mim desde criança, quando tínhamos viagens mais longas. Me marcou muito e me assustava porque tem um aspecto violento, que é sobre a história desse pássaro que tem um canto comum, nada de especial."

"Mas se esse pássaro fica no escuro, ele canta maravilhosamente bem. E chegam a furar os olhos do pássaro. Em poucos dias, ele começa a organizar o canto. Muito depois, eu comecei a achar que tinha uma analogia com meu processo, que não é baseado em nenhuma imagem e vem da memória."

"Achei intrigante que o pássaro, enquanto ele vê o mundo, talvez distraído pelo entorno, cante sem nenhuma organização. E quando ele fica cego e lembra do mundo, ele consegue organizar o canto e idealizar, colocar uma melodia, enfim. É uma interpretação minha. E por isso dei esse nome a esse trabalho."

Assum Preto

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