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Televisão

'Makanai', série de Kore-eda, debate tradição das gueixas no Japão atual

Com delicadeza, produção traz narrativa de formação sobre duas amigas que vão a Kyoto e tentam aprender o ofício

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Makanai: Cozinhando para a Casa Maiko

  • Onde Disponível na Netflix
  • Classificação 12 anos
  • Elenco Nana Mori, Aju Makita, Keiko Matsuzaka
  • Produção Japão, EUA, 2023
  • Criação Hirokazu Kore-eda

"Makanai: Cozinhando para a Casa Maiko" entrou para a grade da Netflix no início do ano como uma pérola rara. Com nove episódios, a série escrita e dirigida por Hirokazu Kore-eda destoa, ao menos à primeira vista, do estilo de construção dos mais populares seriados disponíveis no streaming.

Não há exatamente suspense nem aquele gancho ao final de cada episódio que faz os espectadores não conseguirem desligar. O arco narrativo acompanha a passagem das estações, ao longo de um ano, de primavera a primavera. Pouco a pouco, porém, as aprendizes de gueixa que protagonizam o seriado se revelam extremamente cativantes –e a vontade de conhecer seus destinos nos deixa com gostinho de quero mais.

Cena da série 'Makanai: Cozinhando para a Casa Maiko', de Hirokazu Koreeda
Cena da série 'Makanai: Cozinhando para a Casa Maiko', de Hirokazu Kore-eda - Divulgação

Sumirê e Kiyo são amigas de infância. Aos 16 anos, elas deixam a família e a cidade natal, a fria Aomori, para estudarem na Casa Maiko, em Kyoto. Ali, aprendem os fundamentos do "mai", dança tradicional japonesa, próxima ao teatro nô. Numa casa comandada por duas "mamães", professoras austeras e ao mesmo tempo divertidas, as duas e outras adolescentes se tornam "irmãs" e descobrem os fundamentos não só da arte das gueixas mas também de viver longe dos pais e do universo feminino.

"Makanai" é uma narrativa de formação e aprendizagem. Talentosa e dedicada, Sumirê rapidamente é aceita como "maiko", ou aprendiz de gueixa. Kiyo, por sua vez, encontra na cozinha sua verdadeira vocação. Será que essa diferença vai abalar a amizade delas? Como o ambiente competitivo interfere na relação entre as personagens?

Na escrita de Kore-eda, cineasta laureado com a Palma de Ouro do Festival de Cannes, intrigas e disputa têm menos importância do que a atenção para os gestos —a maneira de posicionar os braços durante a performance; as estratégias para dormir com um penteado complicado, que deve durar por uma semana; o jeito de cortar os legumes em fatias delicadas; a procura pelos ingredientes ideais para um udon.

Esse olhar para as tradições tem algo de exótico, como se se tratasse de apresentar características típicas de uma cultura para um público estrangeiro. Por outro lado, há, na Casa Maiko, não só respeito à tradição, mas também a possibilidade de inventar novas tradições, misturando elementos com liberdade.

Nesse sentido, o oitavo episódio é primoroso. Nele, as garotas da Casa Maiko assistem ao filme "A Noite dos Mortos-Vivos", lançado em 1968, dirigido por George Romero, e depois criam sua versão da narrativa de horror. Na sequência, se dão conta de que tanto zumbis quanto os atores do teatro nô se locomovem deslizando os pés no chão. Num e noutro casos, o que se encena é o limiar tênue entre vida e morte.

Um importante aprendizado que a série retrata é, na realidade, o da filosofia do "ichigo ichie", que pode ser traduzida por "uma vez, um encontro" e sintetiza o estado de presença e atenção que as garotas da Casa Maiko vão adquirindo. Para dar a ver tal aprendizado, Kore-eda incorpora momentos de relativo silêncio a sua narrativa. As personagens não são verborrágicas, nem tudo é explicado pelos diálogos –algo muito bem-vindo quando sobra didatismo à maior parte dos seriados.

Além disso, os silêncios ajudam o cineasta japonês a enfrentar com sutileza as ambivalências do universo das gueixas –e a iniciação de adolescentes nele.

Em dado momento, o pai de Sumirê aparece na Casa Maiko, decidido a tirar a filha de lá. Não quer ver a garota em contato com homens mais velhos, bebida, assédio. Surge então a deixa para uma discussão sobre o lugar da tradição das gueixas no Japão contemporâneo –e para o papel da mulher nessa sociedade.

]É possível ser uma "maiko" e ter uma vida de família? As gueixas se casam? Como conciliar posicionamentos feministas com o respeito a tradições? São discussões que a série só insinua, com muita delicadeza e poucas palavras, sem de fato resolver esses pontos.

Vale a pena vencer a estranheza diante de um ritmo pouco comum no streaming —para se deliciar com a beleza das imagens de "Makanai".

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