Cerca de um ano atrás, uma cerimônia de entrega do Oscar entrou para a história pelas razões erradas. Quase ninguém mais se lembra de que "No Ritmo do Coração" ganhou três troféus, inclusive o de melhor filme. Por outro lado, o tabefe que Will Smith desferiu em Chris Rock repercute até hoje, afetando a carreira de todos os envolvidos.
A mais recente consequência da bofetada que abalou o mundo foi ao ar na madrugada deste domingo (4), no especial "Indignação Seletiva", a primeira transmissão ao vivo da Netflix.
No Hippodrome Theatre, em Baltimore, Chris Rock disparou contra alvos variados, que iam de Elon Musk a Meghan Markle. Mas guardou para o final o que o público realmente esperava: um ataque violento ao casal Smith.
Antes, uma breve recapitulação. Na festa do Oscar do ano passado, Rock disse no palco que Jada Pinkett-Smith estava pronta para interpretar a soldado GI Jane no cinema, por estar careca como a personagem. O humorista não sabia que a calvície da atriz se deve à alopecia, uma doença autoimune que provoca a queda de cabelos, e atiçou a ira do marido dela.
"A mulher dele estava transando com um amigo do filho deles. Ela o machucou muito mais do que ele machucou a mim", disse Rock na reta final de "Indignação Seletiva", referindo-se ao fato dos Smith terem um relacionamento aberto e discutirem publicamente suas relações extraconjugais. Mas a mágoa entre ele e o casal vem de antes.
"Foi ela quem começou essa merda toda. Foi ela quem disse que eu deveria desistir [de apresentar a cerimônia do Oscar de 2016], porque seu marido não havia sido indicado por 'Concussion' [filme que, no Brasil, se chama 'Um Homem Entre Gigantes']. Aí vem ele e me dá uma concussão."
Desde o tapa, Will Smith divulgou vídeos pedindo desculpas a Chris Rock e disse que procurou o colega várias vezes, mas nunca obteve resposta. Mesmo assim, a imagem do ator ainda não se recuperou totalmente.
A que talvez tenha sido a melhor performance de sua vida, a do escravizado Pete no filme "Emancipação – Uma História de Liberdade", lançado pela Apple TV+ no final do ano passado, foi ignorada pelas principais premiações do cinema americano.
"Eu era fã de Will Smith. Agora fico assistindo a 'Emancipação' só para vê-lo ser chicoteado", acrescenta Chris Rock, arrancando gargalhadas da plateia predominantemente negra.
Mas nem todas as piadas da noite fizeram o mesmo sucesso. Um bloco sobre aborto gerou um audível descontentamento. "Dizem que homem não deve falar sobre aborto, porque é um assunto de mulheres", disse Rock. "Mas eu tenho lugar de fala. Ninguém pagou por mais abortos do que eu."
Muito pesado? Pois veja o que veio logo em seguida: "Acho as mulheres deveriam ter o direito de matar os filhos com até quatro anos de idade."
Esse tipo de tirada violenta é o alicerce em torno do qual Chris Rock construiu toda sua carreira. Seu estilo abrasivo reflete a situação complexa vivida pelos homens negros americanos de sua geração: vítimas do racismo por um lado, praticantes do machismo por outro.
Nascido em 1965, Rock se tornou uma estrela depois de integrar o elenco do programa "Saturday Night Live", o maior celeiro de humoristas dos Estados Unidos.
Sua trajetória inclui hits como "Golpe Baixo" e "Gente Grande". Também criou, produziu e narrou a sitcom "Todo Mundo Odeia o Chris", baseada em sua própria infância.
"Indignação Seletiva" marcou a estreia relativamente tardia da Netflix nas transmissões ao vivo, algo que suas concorrentes já vêm fazendo com eventos esportivos. O fenômeno é mais um sintoma da aproximação das plataformas de streaming à programação da TV aberta.
Antes do especial em si, foi exibido um "aquecimento" com diversos comediantes se apresentando num clube em Los Angeles. Depois ainda houve um pós-show, em que nomes consagrados como David Spade e Dana Carvey analisaram a performance de Chris Rock.
Divertido, mas desnecessário. Assim como aconteceu com o Oscar, o que ficará desta noite será o tapa de Will Smith, que ainda não parou de doer.
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