Como HQ reconta biografia de Che Guevara sem pintá-lo como anjo ou demônio

Adaptação de José Hernández transforma livro de mais de 900 páginas de Jon Lee Anderson em narrativa visual

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Desenhos de José Hernández para 'Che: Uma Vida Revolucionária'

Desenhos de José Hernández para 'Che: Uma Vida Revolucionária' Divulgação

São Paulo

O romance gráfico "Che: Uma Vida Revolucionária" foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras neste começo de ano. O volume único condensa as três edições do original mexicano de 2016 e conta a história de um Che Guevara que não foi anjo nem demônio, mas um homem que quis mudar o mundo.

O quadrinho é uma adaptação do livro "Che Guevara: Uma Biografia", publicado em 1997 pelo jornalista americano Jon Lee Anderson. O quadrinista e também jornalista mexicano José Hernández foi responsável por transformar quase mil páginas em uma narrativa visual. Os dois jornalistas se conheceram através do editor Eduardo Rabasa.

Página de 'Che: Uma Vida Revolucionária', quadrinho publicado pela Companhia das Letras
Página de 'Che: Uma Vida Revolucionária', quadrinho publicado pela Companhia das Letras - Divulgação

Hernández afirma que buscou contar a história real como uma narrativa pessoal, não do ponto de vista histórico. Para isso, explorou as relações do guerrilheiro com a mãe, as parceiras, com Fidel Castro e com ele mesmo —Che foi uma figura reflexiva e escreveu diários durante grande parte de sua vida.

"É um livro mais intimista, em que o leitor vai conhecer um ser humano com características muito especiais que, de uma forma muito casual, acaba por se revelar uma das personagens mais importantes da história do século 20."

Mas as liberdades narrativas não levaram Hernández à ficção. O mexicano imergiu em uma pesquisa dedicada —visual, para ser o mais preciso possível ao retratar lugares e pessoas, mas também histórica, atrás de registros sobre a vida de Che além da biografia que inspira a obra.

Foram quatro anos de trabalho, um deles dedicado só à investigação. Em cada um dos três anos seguintes, Hernández fez um dos volumes que compõem a edição brasileira do quadrinho.

O quadrinista desenhou o romance gráfico no lápis, mas toda a coloração e o tratamento das imagens foi digital. O artista buscou uma arte realista e a mistura de técnicas permitiu truques interessantes de textura e de desfoque. O resultado cinematográfico, tanto na estética quanto no roteiro, tem a ver com a formação de Hernández nas artes audiovisuais.

Assim como o guerrilheiro, Jon Lee Anderson, autor de "Che Guevara: Uma Biografia", fez a vida viajando. Correspondente internacional, Anderson é experiente na cobertura de conflitos armados e um colaborador frequente da The New Yorker. O filho de diplomata já tinha vivido em oito países quando completou 18 anos. Anderson tinha 10 e vivia em Taiwan quando Che morreu.

Ernesto Guevara de la Serna nasceu em 14 de maio de 1928 em Rosário, na Argentina. Não nasceu em junho, como dizem muitas fontes. Sua mãe engravidou três meses antes de se casar e precisou falsificar a certidão de nascimento do filho para livrar a família do escândalo.

Aos 19 anos, Ernesto disse à família que estudaria na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires. Ainda antes de se formar, viajou a leprosários da Argentina montado em uma bicicleta motorizada. Pegou gosto pela viagem e não parou mais.

Che deixou a Argentina assim que obteve o diploma. Viajou como médico, mas logo encontrou uma luta mais urgente nas mazelas sociais. Suas viagens o levaram ao México, onde conheceu em 1955 o cubano Fidel Castro.

Ele se juntou a Fidel na luta para libertar Cuba da ditadura de Fulgencio Batista. Liderou tropas na guerrilha e foi conselheiro do cubano. O argentino ocupou posições importantes no governo da ilha quando Castro assumiu o poder em 1959.

Em 1965, deixou o país para se juntar a novas lutas. No ano seguinte, tentou aquecer a revolução na Bolívia. Foi capturado em 1967 pelo exército boliviano, que contava com apoio da CIA. Che foi assassinado em La Higuera na tarde do dia 9 de outubro daquele ano.

Jon Lee Anderson não foi da geração que pendurou cartazes do chefe de guerrilha no dormitório da faculdade, mas cresceu acompanhando a figura latina. O jornalista se interessou por ele quando escrevia sobre grupos de guerrilha ao redor do mundo.

Che era idolatrado como o guerrilheiro arquetípico em todos espectros políticos e ideológicos, do marxismo ao islamismo. Na virada dos anos 1980 para os 1990, enquanto o comunismo se dissolvia ao redor do mundo, sua imagem pulsava viva no mundo insurgente.

O biógrafo se mudou com a família para Cuba, onde contou com o apoio da viúva de Che. Após anos de pesquisa, publicou um tomo de cerca de 800 páginas.

Hernández aprendeu a admirar ainda mais Che Guevara após trabalhar na HQ, mas discorda do guerrilheiro em um ponto importante. Não acredita que a única forma de melhorar as coisas seja pela luta armada. "Nisso nunca poderei estar de acordo com Che." Ainda assim, louva seu idealismo, sua congruência e sua disposição para se sacrificar pelo bem dos demais.

Segundo Jon Lee Anderson, Che Guevara reinseriu o reino mitológico na história. "Ele trouxe de volta o heroísmo e o sacrifício como ingredientes vitais para a mudança global, em uma época em que o mundo estava pronto para receber essa mensagem."

O jornalista diz que, apesar do tamanho do sonho de Che, não era algo impossível. "A América Latina estava madura para a revolução. Era possível. O que ele propôs pode ter parecido absurdo, mas era simplesmente possível. Por isso ele tentou. Ele deixa para trás o exemplo de que uma pessoa pode tentar mudar o mundo."

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