Como 'O Fantasma da Ópera' garantiu emprego para músicos na Broadway

Sucesso que deve fazer sua última apresentação em maio foi recordista de geração de empregos e de renda

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Maria Clara Cobo
Nova York | The New York Times

No final do ano passado, quando a apresentação de número 13.781 de "O Fantasma da Ópera" acabou, os aplausos foram mais fortes até do que a música estrondosa. Os membros da orquestra, posicionados no fosso abaixo do palco, não conseguiam ver os espectadores, mas com certeza conseguiam ouvir e sentir a comoção.

A plateia aplaudindo de pé levou lágrimas aos olhos de Kristen Blodgette, regente associada do espetáculo. Ela ergueu as mãos de unhas vermelhas, unidas como que em oração, para agradecer os músicos.

Orquestra tocando durante apresentação de "O Fantasma da Ópera" na Broadway em fevereiro de 2023. É o musical mais duradouro da Broadway, que sai de cartaz em março e foi fonte de estabilidade para os membros da orquestra
Orquestra tocando durante apresentação de 'O Fantasma da Ópera' na Broadway em fevereiro de 2023 - NYT

O sucesso esmagador de Andrew Lloyd Webber —o musical de temporada mais longa na história da Broadway— deve realizar sua última apresentação no mês que vem, no Majestic Theater. Nessas últimas semanas, desde que surgiu o anúncio, em setembro passado, de que "O Fantasma da Ópera" sairia de cartaz, o musical "parece mais um show de rock", disse Kurt Coble, que toca violino na orquestra do espetáculo.

Coble integra a maior das orquestras da Broadway, e ela deixará de existir quando o espetáculo sair de cartaz. O grupo conta com 27 músicos em período integral, 11 dos quais tocam em "O Fantasma da Ópera" desde a estreia do musical, no final da década de 1980.

O trabalho consistente permitiu a muitos dos músicos veteranos, que cresceram e envelheceram com o espetáculo, construir vidas confortáveis e até lucrativas. E essa não é uma façanha pequena, para qualquer artista que procure estabilidade na cidade de Nova York.

Ao contrário dos principais atores, que assinam contratos de curto prazo com "O Fantasma da Ópera", os integrantes da orquestra e coral contratados em tempo integral assinam pela "duração do espetáculo", que garante seus empregos enquanto o musical estiver em cartaz.

Em 1988, quando "O Fantasma da Ópera" estreou, alguns dos músicos mais ingênuos e otimistas imaginavam que o espetáculo pudesse ficar em cartaz até cinco, seis anos, recordou o trompetista Lowell Hershey, que toca no musical desde o começo. "E eu me lembro de pensar 'uau, isso seria muito bom'."

"O Fantasma da Ópera" deixou essa previsão bem para trás, é claro. Durante os seus 35 anos em cartaz, o musical criou mais empregos e gerou mais renda do que qualquer outro espetáculo na história da Broadway, segundo Michael Borowski, o seu representante de imprensa.

A segurança que o salário de "O Fantasma da Ópera" oferece ajudou muitos dos músicos a constituir famílias, pagar universidades para seus filhos, comprar imóveis, economizar para a aposentadoria. "A Broadway nunca foi concebida para ser um emprego estável, mas, para nós, foi um emprego estável", disse Joyce Hammann, que toca em "O Fantasma da Ópera" desde 1990. "Não há como exagerar a incrível sorte que todos nós tivemos durante todos esses anos."

A member of 'The Phantom of the Opera' orchestra practices in the orchestra pit, at the Majestic Theater in Manhattan on Feb. 7, 2023. The security of the ?Phantom? paycheck has helped many of its musicians start families, send children to college, buy property, and save for retirement. (Todd Heisler/The New York Times)
Membro da orquestra do musical 'O Fantasma da Ópera' pratica antes do espetáculo, em fevereiro de 2023 - NYT

"O Fantasma da Ópera" mantém um sistema tradicional de poço de orquestra, uma caverna aberta posicionada abaixo do nível do piso no espaço entre o palco e o público.

Embora a música ao vivo continue a ser um dos elementos essenciais de um musical da Broadway, muitos produtores optam por sacrificar os poços de orquestra para criar palcos maiores ou aumentar o número de assentos disponíveis no teatro. Hoje em dia, é comum ver músicos no palco com os artistas ou não os ver de todo, já que muitos deles trabalham em salas distantes que canalizam a sua música para os teatros.

"Mesmo se quisermos que nossos músicos estejam no poço, a decisão depende de como cada produção acredita que fará sucesso", disse Tino Gagliardi, presidente da unidade local 802 da Federação Americana de Músicos. "Infelizmente, elas nem sempre têm razão; os espetáculos que fazem as temporadas mais longas são aqueles com grandes orquestras no poço."

Coble sabe como a experiência do poço de orquestra pode ser especial. "Às vezes me sinto como um ferreiro no início do século 20 —as pessoas ainda tinham cavalos, mas nem tantos", ele disse. "Mas não há como abrir mão dos músicos. A música ao vivo sempre será necessária."

Os músicos do poço de orquestra talvez não sejam capazes de ver o espetáculo enquanto este se desenrola, mas têm sua disciplina completamente sob controle. "O Fantasma da Ópera" corre como um relógio. O candelabro sempre balança sobre o poço, marcando o início do espetáculo, e depois desce, no clímax do primeiro ato.

O ruído de passos ouvido acima marca a festa de Ano-Novo no segundo ato, e isso instrui os músicos a darem lugar a um ator, que se esgueira pelo poço da orquestra e se posiciona sob o maestro, para disparar um tiro na direção do auditório. Depois, quando o tiro ecoa, eles cobrem os ouvidos e esperam pelo cheiro de pólvora, que sinaliza que é hora de retomarem seus instrumentos.

Independentemente de terem ou não uma cadeira na Broadway (um contrato de tempo integral), os músicos são pagos por espetáculo e são apoiados pela unidade local 802, um sindicato forte que proporciona a eles planos de saúde e aposentadoria, entre outros benefícios.

Quando os espetáculos da Broadway fecharam as portas, durante a pandemia, os produtores de "O Fantasma da Ópera" continuaram a pagar o seguro-saúde de seus músicos permanentes.

O clarinetista Ed Matthew disse que quando começou a tocar na Broadway, em 1994, ganhava cerca de US$ 140 por noite. A partir deste mês, o salário base para um músico de "O Fantasma da Ópera" é de cerca de US$ 291 por espetáculo.

Antes de serem contratados para "O Fantasma da Ópera", muitos dos músicos precisavam batalhar, fazendo múltiplos trabalhos. Peter Reit, que toca trompa, fazia casacos de pele no bairro dos comerciantes de roupas de Nova York, trabalhava como barman e vendia aspiradores de pó, antes de entrar para a orquestra em 1987, quando os ensaios para o musical começaram.

"Eu costumava calcular meu orçamento semana a semana, com todos os meus trabalhos como free-lancer, e a primeira coisa que reparei quando consegui esse emprego é que agora podia planejar o orçamento mês a mês, e isso foi um alívio incrível do estresse", disse Reit, de 63 anos, que se aposentou em 2021. Agora, ele ensina música na Universidade Estadual de Nova York, na faculdade Purchase and Vassar.

O salário regular e os benefícios permitiram aos membros da orquestra se concentrarem em outros aspectos de suas vidas, como a educação dos filhos. "A maior parte do apoio à minha família se baseava no que eu podia ganhar, e ter esse emprego reduziu muito a pressão sobre mim como provedor", disse Hershey, o trompetista.

Há cinco músicos substitutos de plantão para cada cadeira da Broadway. Embora os substitutos recebam os mesmos benefícios sindicais que os músicos de tempo integral, eles não contam com a consistência de uma semana de oito espetáculos.

"Ser substituto é difícil porque você está constantemente à espera da próxima chamada; não se tem controle sobre sua vida", disse Nick Jemo, um trompetista que começou a tocar em "O Fantasma da Ópera" em 2009 antes de se juntar à orquestra permanente do espetáculo cinco anos mais tarde. Alguns substitutos cobrem ausências em "O Fantasma da Ópera" há mais de dez anos e continuam a retornar.

"Você quer dar tudo que tem para esse espetáculo. Ele oferece tudo que um músico já quis expressar em um instrumento", disse Brad Bosenbeck, que começou como substituto em uma das duas cadeiras de viola de "O Fantasma da Ópera" quando tinha 26 anos. Bosenbeck agora tem 31 anos, continua a ser substituto e disse que não toma o trabalho como garantido. "Sinto ser um cara de muita sorte por conseguir fazer o que amo e ser pago por isso."

Com o encerramento do espetáculo, muitos dos seus músicos estão pensando sobre seus próximos capítulos. Alguns acreditam que "O Fantasma da Ópera" talvez regresse à Broadway dentro de alguns anos com uma orquestra reduzida, como aconteceu em Londres.

Alguns músicos veteranos, incluindo Hershey, planejam se aposentar. Hammann está ansiosa por lecionar, o que ela começou a fazer quando a pandemia a manteve afastada do trabalho. Blodgette vai reger a orquestra em "Bad Cinderella", o novo musical de Lloyd Webber. A maioria dos integrantes da orquestra diz que tentará encontrar vaga como substituto em outros musicais.

Durante as semanas finais, enquanto os membros da audiência assistem no palco à história de amor torturada, os músicos do fosso continuarão a sua rotina por baixo dele. Uma imagem fantasmagórica de Blodgette aparecerá em quatro pequenas telas espalhadas pela orquestra para que os músicos possam seguir seus comandos.

Jemo, após um período em "Bad Cinderella", seu novo trabalho em período integral, voltará para o final de "O Fantasma da Ópera", reposicionando sua cadeira para poder ver sua namorada, uma bailarina no espetáculo. Um apoio de partitura diante dele continuará a mostrar uma coleção de brinquedos em miniatura —um crocodilo sorridente, uma tartaruga que abana a cabeça, um rosto de cervo e uma minúscula mão de plástico segurando rabanetes frescos.

"Eu talvez seja o único músico no mundo que tem rabanetes em seu porta-partituras", disse Karl Bennion, um violoncelista que em 2017 sem querer chegou para um espetáculo carregando rabanetes e depois fez disso uma tradição.

Entre as canções, alguns músicos jogam Sudoku e fazem palavras cruzadas; outros leem. "Um bom livro pode realmente tornar o trabalho ainda mais alegre", disse Jemo. Ele e Hershey, seu parceiro trompetista, tinham um grande dicionário de francês que ficava posicionado entre eles, e muitas vezes se inclinavam para consultar o livro ao mesmo tempo.

No final de cada espetáculo, os músicos continuarão a interagir com os membros da audiência, alguns dos quais gostam de olhar na direção do poço de orquestra e agradecer os músicos, enquanto estes empacotam seus instrumentos.

"O que mais podemos pedir além de termos tido esse espetáculo durante 35 anos?", Blodgette perguntou. "Quando comecei esse trabalho, era solteira, não tinha filho, meus pais ainda eram vivos", ela disse. "Em meio a todo o caos da vida, isso sempre esteve aqui."

Tradução Paulo Migliacci

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