'Elvis', indicado ao Oscar, renova legado em meio a brigas da família Presley

Filme reuniu parentes do astro do rock em festas e premiações, mas morte de Lisa Marie reacendeu desavenças com Priscilla

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Matt Stevens
The New York Times

Quando a câmera capturou Priscilla Presley e a sua filha, Lisa Marie, as duas pareciam extasiadas.

Lisa Marie Presley e Priscilla Presley, ao fundo, em evento do filme "Elvis" - Jon Kopaloff/AFP

Austin Butler tinha despertado as boas memórias sobre Elvis com a sua interpretação na cinebiografia homônima, muito elogiada. E, durante alguns minutos mágicos naquela noite de janeiro, Butler estava lá, no palco do Globo de Ouro, conjurando a voz e irradiando o charme do rei do rock, ao aceitar seu prêmio como melhor ator.

Lisa Marie levou as mãos à boca e Priscilla, ao coração. Mãe e filha tiveram seus desentendimentos ao longo dos anos, mas estavam novamente juntas –sentadas à mesma mesa, como uma família.

"Uma das maiores noites da minha carreira", disse Jerry Schilling, um amigo e sócio de negócios da família Presley, que foi à cerimônia daquela noite com Lisa Marie.

Mas, poucos dias mais tarde, a tristeza que há muito acompanha os Presley voltou a surgir. Lisa Marie morreu subitamente, com apenas 54 anos. Semanas mais tarde, Priscilla, que há muito ajudava a administrar o espólio de Elvis, recorreu à Justiça para contestar a validade de documentos que afirmam que sua neta, a atriz Riley Keough, agora é a única administradora do patrimônio familiar.

A disputa começou no momento em que Keough estava se preparando para a estreia de "Daisy Jones & the Six", pelo serviço de streaming Amazon Prime Video, série na qual ela interpreta o papel-título.

Não está claro que desentendimentos podem surgir à medida que o litígio avança, mas Keough manteve completo silêncio quando sua avó instou o público a não encarar o que estava acontecendo como uma briga de família. Seus advogados ainda não apresentaram petições ao tribunal em resposta à ação de Priscilla Presley.

No entanto, reações chegaram rapidamente a Graceland, a antiga casa de Elvis em Memphis, no estado americano de Tennessee, onde as emoções relacionadas à família Presley são fortes. Lisa Marie Bailey, uma visitante que tem o mesmo nome da filha de Elvis, declarou recentemente que apoiava Keough.

Se o rei soubesse o que está acontecendo, ela disse, em pé perto do local em que Elvis está sepultado, ele reviraria na tumba.

A mais recente das disputas na família Presley ecoa a confusão que sempre marcou a vida de Elvis –uma vida que, além dos discos de sucesso e filmes de Hollywood, esteve repleta de dramas públicos, entre os quais divórcio, gastos extravagantes e, em seus anos finais, uma luta contra a dependência de drogas.

Apesar desses problemas, a marca Elvis continua a gerar faturamento anual de mais de US$ 100 milhões, cerca de R$ 521 milhões, como uma gigante do licenciamento envolvida na venda de roupas, Cadillacs de pelúcia cor-de-rosa e ingressos para visitas a Graceland. Mas o fundo familiar recebe apenas uma fração do lucro que isso tudo gera, de acordo com processos judiciais que detalham a situação financeira.

Em 2005, Lisa Marie Presley e seu gerente comercial venderam 85% da Elvis Presley Enterprises por cerca de US$ 97 milhões, em dinheiro, ações e em troca da quitação de dívidas, de acordo com documentos judiciais —fundos que de lá para cá praticamente se esgotaram.

Ainda assim, no ano passado, antes de sua morte, a filha de Elvis recebeu uma renda de US$ 1,25 milhão. O valor total do fundo continua a ser de dezenas de milhões de dólares, de acordo com os documentos financeiros. Os beneficiários agora são Keough e as suas duas meias-irmãs mais novas.

Sucesso e excesso na casa de Elvis

Quando Elvis morreu inesperadamente em 1977, seu patrimônio foi estimado em cerca de US$ 5 milhões. Os gastos do cantor tinham esgotado suas reservas, que eram limitadas como resultado de seu contrato de negócios com Tom Parker, por muito tempo empresário de Elvis.

Parker recebia até metade do total do dinheiro que o rei faturava, e isso inclui cerca de metade dos US$ 5,4 milhões que a gravadora RCA Records pagou há 50 anos, quando Presley abriu mão dos direitos de royalties futuros sobre as vendas das gravações que havia feito, o que incluía a maioria dos seus sucessos.

O dinheiro que restava a ele foi posto em um fundo e, após a morte de diversos membros da família, Lisa Marie emergiu como sua única beneficiária. Priscilla, que se divorciou de Elvis quatro anos antes de sua morte, se tornou a administradora e promoveu uma reforma em Graceland, o que transformou o imóvel em fonte de faturamento, em parte ao abrir a casa para visitas ao público, em 1982.

Foi uma táctica dolorosa mas necessária –"como ser assaltada", disse Priscilla, mais tarde, depois de ver estranhos visitando a casa. O jornal Los Angeles Times estimou em 1989 que o valor da propriedade tinha subido para mais de US$ 75 milhões e que a Elvis Presley Enterprises registrava um faturamento bruto anual de US$ 15 milhões.

O valor dos ativos cresceu para mais de US$ 100 milhões até 2005, de acordo com documentos judiciais. Àquela altura, o controle deles tinha sido transferido a um novo veículo, o Promenade Trust, criado por Lisa Marie há 30 anos. Ela era sua beneficiária; sua mãe e Barry Siegel, o gerente de negócios da família, serviam como administradores.

Depois disso, começou o que os advogados de Lisa Marie definem como "uma odisseia de 11 anos até a ruína financeira".

Mais tarde, ela e Siegel trocariam acusações sobre quem era o culpado pelo declínio precipitado. Em uma disputa judicial há cinco anos, que acabou por ser resolvida por acordo, Siegel argumentou que embora o fundo recebesse milhões de dólares em receitas anuais, "as despesas contínuas e excessivas de Lisa e a sua dependência de crédito" a levaram a acumular dívidas significativas.

Em 2005, à medida que as contas se acumulavam, ela e Siegel organizaram a venda de 85% da Elvis Presley Enterprises a um grupo liderado pelo investidor Robert F.X. Sillerman.

A transação envolveu pagamento de cerca de US$ 50 milhões em dinheiro. O fundo também recebeu US$ 25 milhões em ações da empresa de entretenimento de Sillerman, a CKX, e US$ 22 milhões em quitação de dívidas, de acordo com documentos judiciais. O fundo manteve os 15% restantes da Elvis Presley Enterprises e a casa principal de Graceland, avaliada em US$ 5,6 milhões em 2021.

Há dez anos, Sillerman vendeu a Elvis Presley Enterprises ao Authentic Brands Group, em parceria com Joel Weinshanker, que agora opera Graceland. Três anos mais tarde, a empresa de Sillerman declarou falência, praticamente zerando o valor das ações de Lisa Marie na CKX, de acordo com documentos judiciais.

E, àquela altura, os US$ 50 milhões em dinheiro que o fundo tinha recebido também já haviam em grande parte desaparecido, gastos em coisas como uma casa de US$ 9 milhões na Inglaterra. Em documentos encaminhados à Justiça, Lisa Marie culpou Siegel por permitir essa compra e disse que ele tinha enriquecido com honorários exorbitantes e não a alertou sobre o quanto a situação financeira dela era terrível.

Em 2016, de acordo com o processo aberto por Lisa Marie, o fundo "continha só US$ 14 mil em dinheiro, e tinha dívidas de cartão de crédito de mais de US$ 500 mil".

Os advogados de Siegel foram contundentes no processo que abriram em resposta, há cinco anos, negando que seu cliente fosse responsável pela diminuição do patrimônio. "Infelizmente, desde que herdou os bens de seu pai em 1993, Lisa os esbanjou completamente, duas vezes", escreveram os advogados. "Ela só pode culpar a si mesma por seus infortúnios financeiros e pessoais."

Enquanto isso, a Elvis Presley Enterprises continuava funcionando. No ano passado, a empresa faturou US$ 110 milhões, dos quais pelo menos US$ 80 milhões foram gerados por operações em Graceland e US$ 5 milhões pela venda dos direitos para a cinebiografia dirigida por Baz Luhrmann, de acordo com a revista Forbes, cujas estimativas foram confirmadas por duas pessoas com conhecimento sobre as finanças da empresa.

Além do US$ 1,25 milhão que recebeu do fundo no ano passado, Lisa Marie tinha um salário mensal de cerca de US$ 4.300 como funcionária de Graceland, de acordo com documentos financeiros que ela apresentou às autoridades no ano passado. Ela também declarou cerca de US$ 95 mil em ativos líquidos, US$ 715 mil em ações e títulos, e dívidas superiores a US$ 3 milhões.

'A família é tudo'

Schilling, que acompanhou Lisa Marie naquela noite ao Globo de Ouro, se recusou a discutir assuntos da família Presley. Mas ele disse que a celebração do filme "Elvis" e do legado do rei tinham servido como consolo para ela, "ajudando a sair um pouco da tristeza", depois de um período difícil. Benjamin Keough, filho de Lisa Marie, morreu por suicídio em 2020.

Em 26 de janeiro, duas semanas depois da morte de Lisa Marie, Priscilla apresentou documentos ao Tribunal Superior de Los Angeles nos quais contestava uma emenda de 2016 à formação do fundo, supostamente autorizada pela filha.

A emenda tinha removido Priscilla e Siegel de suas posições como administradores. Também tinha designado Riley Keough e Benjamin, seu irmão, como gestores, em caso de morte de Lisa Marie.

Um porta-voz de Priscilla não respondeu a pedidos de comentários sobre a sua motivação para contestar a mudança. Mas numa declaração no mês passado, ela pediu ao público que "nos concedesse o tempo necessário para trabalharmos juntos e resolvermos isso", implorando aos fãs que "ignorassem o barulho".

Um representante de Keough se recusou a falar sobre questões relacionadas ao patrimônio dos Presley. Weinshanker, o administrador de Graceland, também se recusou a comentar, mas declarou, depois da morte de Lisa Marie, que acreditava que a intenção dela fosse que Keough e o irmão gerissem o fundo.

"Jamais tive qualquer dúvida de que o comando caberia a eles", ele disse à Elvis Radio, da Sirius XM, "e de que eles lidariam com o fundo exatamente da mesma forma que ela fez. E, obviamente, depois que Ben morreu, a responsabilidade ficou com Riley".

Em Memphis, pessoas que estavam visitando Graceland disseram que acompanhavam de perto o desenrolar da disputa. Muitas foram fãs de Elvis durante a vida toda e estavam acostumadas aos dramas da família Presley. Ainda assim, alguns receavam que o desentendimento pudesse levar à venda de Graceland.

Kristie Gustafson, de 54 anos, diz que cresceu ouvindo a música de Elvis com sua mãe. "Sou uma pessoa muito orientada à família e por isso diria que é muito importante manter a casa na família", afirma, com os olhos marejados de lágrimas. "A família é tudo."

Tradução de Paulo Migliacci

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