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'Pureza', livro de Garth Greenwell, prospera ao narrar sexo gay e BDSM

Obra está aquém da estreia do autor, 'O que te Pertence', mas alcança um bom equilíbrio entre excitação e sensibilidade

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Pureza

  • Preço R$ 74,90 (224 págs.); R$ 48,90 (ebook)
  • Autor Garth Greenwell
  • Editora Todavia
  • Tradução Fabricio Waltrick

Quando "O Que te Pertence" figurou em diversas listas de melhores livros de 2016 e foi indicado a prêmios americanos do calibre do National Book e o PEN/Faulkner, poucas dúvidas restaram sobre o talento de Garth Greenwell.

Em seu romance de estreia, o autor fez uso de uma prosa elegante e excitante para narrar o relacionamento entre um americano e um garoto de programa na cinzenta capital da Bulgária. Sem perder de vista um certo lirismo romântico, Greenwell está mais interessado nas estradas do desejo percorridas pelos homens gays.

Esse atrito entre amor e desejo vem à tona com maior nitidez em "Pureza", que novamente retrata os relacionamentos de um jovem americano em Sófia. Desta vez, no entanto, a força contida no livro anterior é diluída em nove histórias, organizadas em três partes. O resultado é um tanto irregular.

homem com mãos arranhando as próprias costas, em imagem em preto e branco
Fotografia 'Anton', de Yan Bubnovski, que ilustra a capa do romance 'Pureza' - Yan Bubnovski/Divulgação

A primeira parte traz os excelentes "Mentor" e "Gospodar", narrativas que situam o professor em um café ouvindo o relato de um aluno —"um novato no desejo"— imerso em angústia após ter sido rejeitado pelo amigo a quem se declarou e no papel de submisso em uma experiência BDSM.

Como um espelho, o segundo texto da terceira parte, "O Santinho", mostra como o protagonista se deleita com o papel de dominador ao mesmo tempo em que gatilhos da infância são acionados pelo ritual sadomasoquista.

Na mente do americano, que se revela um narrador honesto ao admitir eventuais floreios no relato e imprecisões da memória, o conflito entre amor e desejo é ressignificado quando ele analisa o parceiro submisso que aceita tudo no sexo, desde que sem camisinha: "Por ser uma ética, pensei deitado ao seu lado, era mais coerente do que minha própria vida, com a alternância de precauções e riscos".

O estágio precavido, segundo a concepção do narrador, corresponde ao período em que ele namorou um estudante português que fazia intercâmbio em Sófia. "Amando R." é a parte que ocupa o centro do romance e, não por acaso, é nela que mora o texto que dá nome ao livro.

Greenwell aparece em sua melhor forma quando se ocupa de iluminar espaços, na intimidade dos seus personagens ou no mundo exterior, banheiros onde rapazes podem satisfazer suas vontades reprimidas ou quartos onde é tênue a linha que separa prazer e abuso.

Nem tanto, porém, quando o foco se perde e o autor narra uma das manifestações que tomaram as ruas da Bulgária em 2014, na esteira da Primavera Árabe e de junho de 2013 no Brasil –inclusive citado.

Em "Gente Decente", que fecha a primeira parte do livro, o americano participa de um desses protestos e tece comentários sobre a ainda jovem democracia búlgara, a herança autoritária das décadas de regime comunista e a situação vulnerável da população LGBTQIA+ em um país pouco interessado em protegê-la de ataques.

Garth Greenwell
O escritor americano Garth Greenwell, autor de 'Pureza' - Oriette D'Angelo/Divulgação

Dois textos da última parte, "Porto" e "Uma Saída à Noite", e outro da segun a, "O Rei Sapo", foram publicados nas páginas de ficção da New Yorker entre 2017 e 2019. "O que te Pertence" teve uma origem parecida, sendo uma versão ampliada e aprofundada da novela "Mitko", publicada em 2011.

Mas enquanto ali o autor cultivou uma matéria-prima que naturalmente se expandiu, "Pureza" parece ter nascido da costura de bons textos semiautônomos que não chegam a atingir a coesão de um romance, mesmo que cenário e protagonista atuem como um denominador comum.

Apesar de uma obra aquém da estreia, Greenwell se firmou como um hábil intérprete dos códigos do sexo entre homens nos dias de hoje. Com pinceladas de autoficção –ele é americano e morou na Bulgária–, seu projeto literário provocante e delicado prospera no equilíbrio entre excitação e sensibilidade.

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