Samba de Chico Buarque afasta mutreta, e músico sai ovacionado de estreia de show em São Paulo

Cantor abriu série de 18 apresentações da turnê 'Que Tal um Samba?' nesta quinta no Tokio Marine Hall, na zona sul

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Chico Buarque em apresentação no Tokio Marine Hall, na zona sul de São Paulo

Chico Buarque em apresentação no Tokio Marine Hall, na zona sul de São Paulo Eduardo Knapp/Folhapress

São Paulo

Chico Buarque recebeu aplausos incessantes na estreia de sua atual turnê, "Que Tal um Samba?", em São Paulo. O cantor se apresentou na noite desta quinta-feira (2), na primeira de 18 apresentações com ingressos esgotados no Tokio Marine Hall, casa de espetáculos localizada na zona sul da cidade.

Chico ficou calado, sem falar com o público, durante praticamente todo o show, até a reta final, quando apresentou sua banda e resolveu tirar sarro de uma polêmica recente. Isso porque uma juíza questionou se ele era o verdadeiro autor da música "Roda Viva", depois que o cantor processou Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, do PL, por usar a canção em um vídeo na internet.

Chico Buarque em apresentação no Tokio Marine Hall, na zona sul de São Paulo
Chico Buarque em apresentação no Tokio Marine Hall, na zona sul de São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

No show, assim como já tinha feito no Rio de Janeiro, ele brincou sobre seu jeito de tocar violão e sobre às vezes esquecer as próprias letras. Afirmou que queria colocar um teleprompter para o auxiliar no palco, mas ouviu que não seria uma boa ideia —afinal, iriam desconfiar que ele não era realmente o compositor das canções. "Como é que eu vou provar?", disse.

Depois, disse que já leu coisas horríveis a seu respeito na internet, mas ficou encucado com essa história em especial —a de que ele comprava suas composições. "Não compro música. Mas posso vender", brincou, puxando o refrão de "Bancarrota Blues".

O show foi inteiro dividido entre Chico e a cantora Mônica Salmaso —ora juntos, ora separados. Ela começou no palco, cantando uma sequência que teve "Todos Juntos", trilha dos Saltimbancos, "Mar e Lua", que retrata um trágico romance lésbico, "Bom Tempo" e "Beatriz", antes da estrela da noite surgir em "Paratodos".

A música, que marca o processo de urbanização das grandes cidades do país e é uma ode ao artista brasileiro, foi bastante celebrada, com Chico saudando a plateia. Foi um "boa noite" tímido, em que o cantor evitou interações com o público.

Assim como boa parte de sua poética, "Paratodos" celebra as misturas que compõem a cultura brasileira, ideia que se repete no repertório. Em "Sinhá", a personagem da letra chora em iorubá, mas ora para Jesus.

Juntos, Chico e Salmaso protagonizaram momentos de puro entrosamento, com as vozes se complementando num mesmo verso, ou cantando coisas diferentes. Foi o caso de "Sem Fantasia" e "Biscate", apresentadas em sequência.

Acompanhado por uma banda extremamente técnica, Chico intercalou momentos de contemplação com outros de maior balanço. A percussão, minimalista na maior parte do show, por vezes se multiplicava, com o tamborim servindo como uma lembrança da batida clássica do samba —base da bossa nova e de grande parte de seu repertório.

Mesmo nos momentos mais animados, foi difícil ver a plateia em êxtase. Isso se deve à estrutura do show, apenas com a plateia sentada em mesas, garçons transitando entre elas e pessoas repreendendo quem gritava ou queria cantar mais alto. É uma atmosfera que fica entre o teatro e o restaurante, algo que já é comum em turnês de gigantes da MPB.

Os gritos, principalmente os de "lindo" e "gostoso", ficaram para os intervalos entre as performances. As palmas vieram quando ele brincou com a juíza, Monica Ribeiro Teixeira, que questionou sua autoria de "Roda Viva" e na reta final da apresentação.

A plateia cantou junto em "Choro Bandido" e "Sob Medida", no momento em que Chico sentou e empunhou o violão acústico. Também em "Bastidores" e "Mil Perdões", composição de Chico que Gal Costa, homenageada com sua foto no telão, gravou nos anos 1980.

No palco, cada música foi acompanhada por uma fotografia de nomes como Sebastião Salgado e Thereza Eugênia que conversava com o tema da canção. Seja pela arquitetura do palco, com formas geométricas ao fundo, seja pela iluminação, na maior parte do tempo foi difícil entender de que imagem se tratava.

O universo de romances intensos e confusos, de um Rio de Janeiro multifacetado e de um Brasil colorido, surgiram em "Samba do Grande Amor", "Injuriado", "Futuros Amantes", "Assentamento", "Tipo um Baião" e "As Minhas Meninas".

O pesadelo racista de "As Caravanas", temperada por uma batida de funk, veio logo depois de "Meu Guri", uma lembrança de Elza Soares, que gravou a música, e emendada na perturbante "Deus lhe Pague". Miúcha, cantora e irmã de Chico que morreu em 2018, foi exaltada por ele na música "Maninha".

"Que Tal um Samba?", o single lançado ano passado que dá nome à turnê, abriu a sequência final, que também teve citações a Vinicius de Moraes, com "Samba da Bênção", e a Dorival Caymmi, com "O Samba da Minha Terra".

A presença do samba transcendeu o título dessas canções e o ritmo ditado pelo percussionista Chico Batera, evocando o poder do gênero musical de encontrar a esperança em meio à tristeza —um sentimento tão típico desse Brasil cantado por Chico. "É melhor ser alegre que ser triste", ele cantou. "Mas pra fazer um samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza."

É tentador imaginar um titã da música popular brasileira como Chico se apresentando para multidões em espaços abertos ou, pelo menos, com ingressos mais acessíveis —excetuando a opção com vista parcial do palco, a entrada mais barata custava R$ 350— ou em ambiente menos formal. O Brasil que emana dos versos de Chico tem menos a cara do público que estava no Tokio Marine Hall, e é mais parecido com aquele que frequente os botecos de esquina e as rodas de samba na rua.

Mesmo bastante comportada, a plateia chegou a se levantar e cantar a plenos pulmões "João e Maria", que botou ponto final no show. Chico saiu cumprimentando a parte do público que foi até o palco.

Amigo e eleitor do presidente Lula, do PT, Chico deixou os acenos políticos ao repertório, e o público tampouco puxou gritos a favor do petista ou contra seu antecessor. Mas manifestações explícitas não eram necessárias —a visão do país expressa das músicas do artista frequentemente se confundem com a do político.

Chico saiu do palco ovacionado, como se seu samba tivesse afastado a mutreta, a cascata e a demência, como anuncia na música que motiva a turnê.

O cenário do show é assinado por Daniela Thomas, a iluminação por Maneco Quinderé e os figurinos são de Cao Albuquerque. A banda que acompanha Chico e Salmaso é formada por Luiz Claudio Ramos, responsável pelos arranjos, guitarra e violão, João Rebouças, no piano, Jorge Helder, no baixo acústico e elétrico, Jurim Moreira, na bateria, Chico Batera, na percussão, Bia Paes Leme, nos teclados e vocais, e Marcelo Bernardes nos sopros.

Na estrada desde o ano passado com o show "Que Tal um Samba?", Chico ainda faz outros 17 shows no Tokio Marine Hall, entre março e abril. Sua primeira turnê desde 2018 já passou por dez capitais antes de chegar a São Paulo.

Turnê 'Que Tal um Samba' em São Paulo

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