Artista cria ecossistema da mata atlântica em mostra em galeria de São Paulo

Maria Thereza Alves pinta aquarelas com insetos e imagina cenário em que homem não destruiu o meio ambiente

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São Paulo

Um ecossistema completo dentro de uma galeria de arte, com plantas para atrair borboletas, casinhas para tatu-bola e até uma estrutura para insetos diversos beberem água.

A proposta inusual é agora realizada por Maria Thereza Alves no andar térreo da galeria Jaqueline Martins, em São Paulo, um espaço expositivo com um jardim de inverno nos fundos, propício para o conceito desenvolvido pela artista, uma das fundadoras do Partido Verde no final da década de 1980 e reconhecida internacionalmente por seu trabalho em prol de causas ecológicas.

Alves consultou um biólogo antes de montar a exposição —toda com trabalhos inéditos—, que une aquarelas em grande formato com instalações pensadas para o espaço da galeria, num misto de arte e ecologia. Ela conta que queria reproduzir um ambiente de mata atlântica, hoje bastante destruída pela ação do homem.

Logo na entrada, grandes manchas em cinza, marrom e verde sobre o papel se referem ao processo de destruição dos morros da mata atlântica na região de São Luiz do Paraitinga, no estado de São Paulo, cidade de origem da mãe da artista. A vegetação nas representações das montanhas é quase inexistente e o aspecto das aquarelas, lúgubre.

O tom sombrio muda quando a artista, valendo-se de uma paleta colorida, desenha os insetos que viveriam na mata se ela estivesse intacta. A abelha arapuá, produtora de mel com propriedades medicinais, aparece em rosa e laranja. A borboleta tem asas de um azul galante.

Louva-deus, aquarela sobre papel de Maria Thereza Alves
Louva-deus, aquarela sobre papel de Maria Thereza Alves - Nick Ash

Junto a uma pilastra, há um amontado de "pedras" feitas de bronze, simulando uma casa de diplópode, inseto que lembra uma centopeia. Preso numa das paredes, "folhas enroladas" de porcelana são um convite para as moscas pousarem.

Para a artista, esta exposição serve como um alerta. "Tem mineração na mata atlântica completamente ilegal, perto da aldeia indígena Renascer, em Ubatuba. São atos de destruição que comprovam que não estamos levando a sério nossa administração [do meio ambiente]. Temos que fazer um outro sistema, porque esse aqui não está funcionando para o planeta", ela diz.

Não tão conhecida no Brasil fora dos círculos da arte, Thereza, de 62 anos, tem longa carreira internacional, já tendo exposto em diversas bienais e também no New Museum, em Nova York, e no Palais de Tokyo, em Paris. Para além das questões do meio ambiente, seu trabalho, um misto de arte e ativismo, denuncia há décadas a marginalização dos indígenas na sociedade brasileira.

Na Bienal de São Paulo de 2010, por exemplo, ela mostrou um dicionário do dialeto krenak em português —até então, só havia uma versão em alemão. Na galeria, o dicionário está exposto dentro de uma caixa de vidro fechada com um cadeado, uma provocação que marca a cisão entre os indígenas e os brancos no Brasil.

O dicionário do krenak para o português, obra de Maria Thereza Alves - Divulgação galeria Jaqueline Martins

Para a artista, o tratamento que o governo de Jair Bolsonaro deu aos povos originários —que ela afirma serem escanteados na sociedade até hoje—, foi de ódio completo. "Um olhar muito colonial, o seguimento da colonização dos portugueses."

Afora sua exposição, o trabalho de Thereza também é tema do recém-lançado livro "Eco-lógicas Latinas". A publicação, que inclui outros nomes de destaque como Giselle Beiguelman e Uýra Sodoma, mapeia artistas latino-americanos cujas poéticas lidam com o intercâmbio entre arte e ecologia.

Conselho de Seres - Maria Thereza Alves

Eco-lógicas

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