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Nem Joaquin Phoenix salva 'Beau Tem Medo', que não sabe o que fazer

Novo filme de Ari Aster, de 'Hereditário', é simpático e tem boas ideias, mas sofre para articular algo em longas três horas

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Beau Tem Medo

  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 18 anos
  • Elenco Joaquin Phoenix, Parker Posey, Nathan Lane
  • Produção Estados Unidos, 2023
  • Direção Ari Aster

"Beau Tem Medo" é um filme cheio de ideias. A primeira delas por ordem de entrada não é tão original, mas tem sua graça.

Beau, vivido por Joaquin Phoenix, está no consultório do seu psiquiatra, dublê de analista. Este lhe pergunta sobre a visita que fará hoje à tarde à sua mãe. Beau esboça uma resposta do tipo "hoje eu tive um sonho". O psicólogo corta sua palavra: "Não vamos nos dispersar!".

Joaquin Phoenix em cena do filme 'Beau Tem Medo', dirigido por Ari Aster - Divulgação

A ideia é clara: mais de 110 anos depois da visita de Freud e discípulos aos EUA, está claro que a psicanálise não deu certo daqueles lados. Ou: onde já se viu algum analista no mundo cortar alguém que pretende narrar um sonho para "não dispersar" ou algo assim?

Não é de espantar que Beau esteja no estado miserável em que está.

Em seguida, outra boa ideia: Beau é jogado num mundo talvez absurdo. Ali, um adolescente aponta seu celular para um arranha-céu de onde um homem ameaça se jogar. Beau pergunta o que as pessoas fazem ali. O rapaz responde: "Estamos tentando fazer ele se jogar de lá".

Em seguida, Beau chega à sua vizinhança, onde pessoas correm enlouquecidas, esfaqueiam gente, atiram à toa, invadem casas, apedrejam prédios etc. Em síntese, um mundo absurdo, desenhado à perfeição a sobrevivência dos mais fortes. Um mundo nem tão diferente do nosso, já se vê.

Mas, assim como abandonou a primeira ideia —a psicanálise—, o diretor Ari Aster deixa de lado a segunda, a de um mundo que não faz sentido e no qual, aliás, Beau acaba atropelado numa de suas inúmeras fugas —fugir é o que sabe fazer.

Desperta em um outro mundo, limpo, arrumado, acolhedor. Ali estão as pessoas que o resgataram: uma mulher às voltas com mercado de capitais e um médico habilíssimo, que o operou e o salvou.

Olhamos para a cara do médico. Não, algo está errado. Logo saberemos. As paredes da sala são cobertas por fotos do filho, morto na invasão à Venezuela [sic]. Uma filha aparece e acusa Beau de roubar-lhe o quarto. Há um maluco que mora ao lado, enlouqueceu na guerra na Venezuela. Pode soltar bombas, atacar alguém, dar tiros. Era amigo do filho. Agora é protegido da família.

Ou seja, estamos na loucura da guerra. O tema é menos vasto do que o anterior, não diz respeito a todos nós, mas, em particular, aos americanos e seu pendor para as guerras —e esquizofrenias conexas.

Logo Aster também abandonará essa ideia, mas a penosa jornada de Beau prosseguirá. Haverá uma floresta onde se perde, uma estranha comunidade hippie que o acolhe, um teatro onde a rigor o drama de Beau é representado para si mesmo. Outra ideia simpática surge no meio disso: a mistura, em dado momento, entre animação e figuras humanas.

Também isso passa. Vamos em frente. Para não estragar o desprazer das surpresas que o filme ainda pode proporcionar, vamos resumir as coisas assim: Beau é judeu, Wasserman é seu sobrenome. Como tal, tem uma mãe judia, "iidishe mame", como se diz.

Pode-se, portanto, resumir o que vem com o "mot d’esprit" judaico. A pergunta é: qual a diferença entre uma mãe italiana e uma mãe judia? A mãe italiana diz ao filho: "Se você não comer, eu te mato". A mãe judia, ao contrário, diz: "Se você não comer, eu me mato". Ou seja, a ideia é que a mãe judia, em seu infinito amor, trocaria a ameaça física por uma incontornável chantagem emocional.

Esse rápido e inspirado diálogo resume, em todo caso, o espírito do interminável —a duração é de três horas—, por vezes simpático e sempre estéril desse "Beau Tem Medo", que confirma a tendência de Aster a ter ideias interessantes, à vezes originais —por exemplo, o terror diurno de "Midsommar"— e a não saber muito bem o que fazer com elas.

E Joaquin Phoenix? Não ajuda? Ele é um ótimo ator, afinal.

Aí está o problema: Phoenix é magistral, mas de um modo específico. É o sujeito que se entrega e dá tudo pelo papel que está fazendo. Se o papel lhe retribui, se é tão bom —ou quase— quanto ele, Phoenix empurra o filme para cima com sua arte.

Quando isso não acontece, fica uma interpretação solta no ar, desamparada como Beau, e como aliás uma série de outros elementos apreciáveis no filme, mas que não conseguem formar um conjunto.

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