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Espanha tem racismo, mas o mais reacionário é o futebol, diz escritora Rosa Montero

Autora madrilena, que abre o ciclo Fronteiras do Pensamento, discute Vinícius Jr., jornalismo e literatura

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mulher de 72 anos, cabelos castanhos compridos, põe a mão sobre o rosto de olhos fechados e anel grande

A escritora espanhola Rosa Montero, de 'A Louca da Casa' e 'A Ridícula Ideia de Nunca Mais te Ver', em hotel em São Paulo neste domingo (28) Lucas Seixas/Folhapress

São Paulo

A espanhola Rosa Montero acompanhou com horror os ataques racistas contra o jogador Vinicius Jr. nas arquibancadas de seu país. A Espanha, diz ela, é uma sociedade racista como todas. "Mas o mundo do futebol é o seu lado mais reacionário."

"Veja um exemplo, fomos um dos países mais avançados na legalização do casamento gay. Mas no esporte não se vê um caso de homossexualidade. Custa a eles a vida."

O patamar feroz de racismo nos estádios, segundo ela, está acima do nível fora de campo. A isso ela atribui o fato de o futebol ter uma escala industrial, movimentando muito dinheiro sujo e engolindo os outros esportes como um titã.

Ambiente propício para vicejar o machismo e as "expressões mais conservadoras da sociedade", diz ela, incluindo "manobras típicas da ultradireita" como culpar a vítima pelas próprias violências e preconceitos que sofre.

Isso são palavras de uma mulher que se destacou como ponta de lança do jornalismo espanhol —foi uma das principais repórteres e editoras do diário El País, onde ainda assina uma coluna—, antes de engrenar de vez para os romances. Ela está em São Paulo para abrir, nesta segunda, o ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento, e em seguida se apresenta em Porto Alegre.

Hoje com 72 anos, Montero ficou mais conhecida por obras difíceis de definir entre ficção e não ficção —ela as chama de "artefatos literários".

São "A Ridícula Ideia de Nunca Mais te Ver", em que a autora mescla anotações da física Marie Curie sobre o luto pelo marido, Pierre, às reflexões sobre a morte de seu próprio companheiro de 21 anos, Pablo; e "A Louca da Casa", relato pretensamente autobiográfico que surpreende o leitor com revelações de que, talvez, tudo aquilo seja invenção.

O jornalismo, diz ela, é também um gênero literário, então Montero não enxerga um salto particularmente grande em sua carreira ao se afastar da reportagem, cansada de preparar entrevistas —fez mais de 2.000 delas— e também de concedê-las, ainda que o faça com eloquência.

Mas não se engane, ela ressalta especificidades que distanciam a prática jornalística daquela do ficcionista profissional. "Cada gênero tem suas normas, são completamente divergentes e é preciso saber bem suas regras até para transgredi-las", afirma.

"No jornalismo, a clareza é um valor. Nos romances, a ambiguidade é um valor. No jornalismo, você fala do que sabe. Nos romances, fala do que não sabe que sabe. No jornalismo, você é uma árvore falando das árvores ao redor. Nos romances, você tenta ser uma águia, voar e ser capaz de descrever o bosque."

A literatura de Montero soa rabiscada com uma espontaneidade e limpidez que, diga ela o que quiser, é marca de quem escreveu muita coisa a quente no jornal. Longos trechos de seus livros soam como se ela estivesse tendo ideias enquanto tecla as palavras.

É uma sensação que só os grandes escritores conseguem passar. Sua criação literária, diz a espanhola, surge mais ou menos pronta. Parte sempre de uma semente —uma imagem, frase ou sentimento— que traz junto consigo uma voz narrativa com "temperatura, ritmo e música". Ela diz conseguir prever o tamanho que seus livros terão no instante em que brotam.

Acabou resultando em romances como "História do Rei Transparente" e "Instruções para Salvar o Mundo", narrativas fabulares publicadas na Ediouro no começo deste século, antes de Montero passar a ser editada pela Todavia, responsável por sua ficção mais recente, o thriller "A Boa Sorte", a coleção de biografias "Nós, Mulheres" e o celebrado "A Ridícula Ideia de Nunca Mais te Ver".

É esta a obra que mais parece escrita como um derramamento impulsivo, uma reação a um episódio traumático. É uma impressão errada.

"Muita gente sempre me disse, ‘como você foi valente ao contar coisas tão íntimas’. Eu não sinto isso de modo algum. Sim, no livro falo algumas coisas minhas, mas não gosto nada de literatura autobiográfica. Preciso distanciar o literário do ruído da vida."

Quando Montero estava sofrendo a morte do marido e seus amigos a incentivavam a escrever alguma coisa para expurgar a dor, ela respondia "não dá". "Não tenho essa relação com a literatura."

Foi só quando sua editora mostrou a ela os diários de Marie Curie para outro projeto, anos depois, que a autora sentiu que poderia escrever um livro sobre o luto —não o seu, mas o de todos, que incluem tanto ela quanto a única cientista mulher a vencer dois prêmios Nobel na história.

Ou seja, é um livro planejado, com a intenção de entender algo sobre a humanidade. Já a privacidade de Montero se revela em outro lugar. "Os meus romances são muito mais íntimos, pois saem do inconsciente. Ali nem sei o que estou falando sobre mim."

Dentro desse mesmo livro, publicado quando ela tinha 62 anos, Montero escreve que antes aspirava à grandeza, a "escrever o grande livro da condição humana". "Agora, no entanto, aspiro com simplicidade e modéstia à liberdade."

O repórter pergunta se ela tem alcançado algum sucesso, e ela assente. "O romance nasce do inconsciente, e a maturidade do escritor é apagar a si mesmo e se deixar atravessar pela ideia criativa. Eu, como sou mais velha", diz, soltando um riso, "estou tentando voar livremente no prazer da escritura".

Rosa Montero no Fronteiras do Pensamento

  • Quando Segunda (29), às 20h, no Teatro B32, em São Paulo; quarta (31), às 20h, no Teatro Unisinos, em Porto Alegre

Fronteiras do Pensamento - 17ª Temporada. .

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