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Bárbara Blum

Met Gala faz pastiche morno e em tom pastel do irreverente Karl Lagerfeld

Com Chanel para dar e vender, baile ignorou caráter subversivo do designer, lembrado ali apenas com referências óbvias

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A modelo Gisele Bündchen no Met Gala Jamie McCarthy/Getty Images via AFP

São Paulo

Fazia muito tempo que não se via um tapete vermelho tão livre de riscos em uma edição do Met Gala, o baile beneficente que mira arrecadar fundos para a ala de moda do Metropolitan Museum of Art de Nova York.

Com esmagadora maioria de looks em tons pastel, o baile que deveria ser o ponto alto da moda para celebridades mais parecia um pratinho de mingau de aveia morno comparado aos anos anteriores.

Nicole Kidman no Met Gala com vestido Chanel vintage usado no comercial de 2004 da fragrância Chanel nº5
Nicole Kidman no Met Gala com vestido Chanel vintage usado no comercial de 2004 da fragrância Chanel nº5 - Angela Weiss/AFP

Muito se deve ao tema. Neste ano, os convidados deveriam prestar homenagem ao designer Karl Lagerfeld, responsável por ressuscitar a Chanel nos anos 1980 e renovar a grife antes de morrer em 2019.

A festa exclusivíssima, sob batuta da editora mão de ferro Anna Wintour, da Vogue, costuma ser regida por temas vagos. Foi o caso de 2019, com o amplo tema "Camp", inspirado no conceito de Susan Sontag que pincela o kitsch e que confundiu as celebridades com looks horrorosos, caso do vestido de Cinderela de Zendaya ou o grotesco bebê verde empunhado por Frank Ocean.

Mesmo as propostas que deveriam ser mamão com açúcar causam confusão, caso do "Gilded Glamour", do ano passado, coroado pelas bizarrices de Kim Kardashian esfomeada em um vestido de Marilyn Monroe ou o roupão futurista de Gigi Hadid.

O tema desta edição ajudou os convidados ilustres a entregarem uma redação do Enem que não fugia do tema —um colírio para os olhos e um tédio para as redes sociais.

Imperaram os tons claros —brancos, rosas, azuis—, mas muitas vezes associados a detalhes em preto, cor que Lagerfeld vestiu e defendeu até seus últimos dias, na forma de luvas, óculos de sol e sapatos —itens queridinhos do designer. Broches, aliás, marcaram gravatas dos ternos simples e pretos dos homens, que apostaram, no máximo, em coletes, colares e tecidos diferentes.

As homenagens vieram também como meme, caso de uma bolsa cravejada de pedras brilhantes em formato de gato branco de olhos azulados, referência à felina Choupette, herdeira do designer criada a leite com atum.

A gata foi alvo de quem decidiu apelar para o potencial de hitar nas redes da noite. Doja Cat, honrando o nome, trajou um vestido acoplado a um capuz com orelhinhas, todo feito de pedras brilhantes, como a bolsa, a essa altura, um item discreto. Jared Leto foi direto ao ponto e vestiu uma fantasia à la bonecão de Choupette —difícil acreditar que Lagerfeld ou a própria gata aprovariam o visual tosco e assustador.

Mas foi, apesar das releituras toscas, a toada de irreverência de Lagerfeld que marcou suas passagens, sempre em voz alta, por casas de estirpe, como Chloé, Fendi e Chanel. Foi na grife italiana que ele inventou o logo FF, "fun fur", algo como pelo divertido, em defesa do uso de peles animais. Na Chanel, voltou a usar o polêmico material em um chaveiro dele mesmo, desfilado por uma sorridente Cara Delevigne em uma passarela da grife em 2014.

Como era de se esperar, sobrou Chanel no evento. Dua Lipa não larga a pose de gostosona no vestido com corpete, de uma coleção de 1992, feito do tecido dos blazers da grife.

A cantora Dua Lipa com vestido vintage da Chanel de 1992
A cantora Dua Lipa com vestido vintage da Chanel de 1992 - Angela Weiss/AFP

O vestido, embora soe chato perto do que já vimos em edições passadas, mostra do que Karl Lagerfeld foi capaz à frente da maison francesa.

Até a chegada do designer, a marca que um dia fora conhecida pelo little black dress era vista como chapelaria de vovó com seus terninhos de tweed e gola redonda, as pérolas e as bolsinhas matelassê.

Tudo isso, aliás, presente no tapete do Met Gala em tom de subversão controlada. A influenciadora Emma Chamberlain foi mais literal e manteve o top de um blazer de fato, separado da saia por um tecido brilhoso que mais parecia parte de uma fantasia de Carnaval. Nem toda subversão funciona, afinal.

Gisele Bündchen, pela primeira vez sozinha no tapete vermelho, usou um vestido, Chanel, é claro, de 2006, no qual ela mesma foi fotografada. Branco, simples, com uma generosa capa felpuda.

Nicole Kidman foi outra que apostou no vintage usado por ela mesma, um vestido rosa pálido com brilhos e uma cauda com penugens, completo por uma capa transparente na mesma cor. O traje protagonizou, com ela e Rodrigo Santoro, o comercial da fragrância Chanel nº5 de 2004.

Foi um tapete etéreo com tantos tons gelados, contrapostos apenas pela abundância de preto, que pareciam todos anjinhos lagerfeldianos, mergulhados até o último fio de cabelo nas referências mais óbvias e básicas possíveis.

Quem não apostou nas criações marcantes do designer, forma mais fácil de acertar o alvo, prestou homenagens óbvias, apelando para memes como a gata órfã, os óculos de sol ou estampas do nome ou até da cara do próprio Lagerfeld.

Nem Anitta, soterrada em um Marc Jacobs preto estruturado arrematado com luvas brancas, conseguiu injetar algum fator surpresa ali.

Foi tudo muito chique, um alívio depois de anos de cafonice gratuita no Met Gala. Mas, quando se homenageia um designer alçado ao pedestal por sua mordacidade, era de se esperar que a festa extravagante parecesse um pouco menos com um enterro.

Bárbara Blum
Bárbara Blum

Repórter do Todas, foi editora-assistente da Ilustrada e redatora do impresso

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