'Oscar' do design reconhece móvel brasileiro e quer apontar rumos do mercado

Prêmio alemão iF Design Award chancela escritórios pequenos e grandes marcas e impulsiona internacionalização do setor

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Pavilhão da Feira do Livro de Frankfurt, desenvolvido pelo escritório alemão Schneider + Schumacher, ganhador do prêmio iF Design Award em 2023

Público em frente a um pavilhão da Feira do Livro de Franfkurt desenvolvido pelo escritório alemão Schneider + Schumacher, projeto que ganhou o prêmio iF Design Award Bilder Norbert Miguletz

Berlim

Uma poltrona com estrutura de madeira, encosto baixo e assento estofado de couro, desenhada por Jader Almeida, ganhou este ano um dos principais prêmios internacionais de design, o iF Design Award. A láurea alemã também consagrou um projeto de interiores do escritório BC Arquitetos que usou móvel moderno brasileiro na decoração de um apartamento, a exemplo de uma mesa de centro de Jorge Zalszupin e cadeiras de Geraldo de Barros na mesa de jantar.

"O design brasileiro desenvolveu soluções muito criativas, especialmente o design de mobiliário", afirma Frank Zierenberg, diretor da premiação que acaba de completar 70 anos, ao comentar por que o Brasil foi um dos países mais consagrados nesta edição. Segundo ele, enquanto na Alemanha há uma ferramenta específica e muito cara para a montagem de cada parte de uma cadeira, no Brasil a ausência de tecnologia —em função do custo elevado— força os criativos a empregarem as suas habilidades com o que está disponível na construção dos móveis.

Poltrona Alba Club, criada por Jader Almeida, que recebeu o iF Design Award 2023
Poltrona Alba Club, criada por Jader Almeida, que recebeu o iF Design Award 2023 - Divulgação Jader Almeida

Zierenberg afirma que design não é apenas produzir coisas bonitas, e que a disciplina deve se preocupar em criar produtos e serviços que solucionem problemas dos usuários. Ele cita ainda um termo que deve ganhar mais relevância na área nos próximos anos —sustentabilidade. Tudo isso, acrescenta, só faz sentido num contexto econômico, ou seja, deve servir para impulsionar as vendas.

Além da poltrona e dos interiores do apartamento, o Brasil levou outros 66 prêmios, um número recorde para a participação do país no concurso. Deste total, três vencedores subiram ao palco do Friedrichstadt-Palast, uma sala de espetáculos para milhares de pessoas em Berlim que sediou a cerimônia de premiação este mês, para receberem o troféu da categoria "gold", o selo do iF para o melhor do design mundial.

Ao todo, o iF Award teve 11 mil inscritos de 56 países —Coreia do Sul, Japão e Alemanha, todas nações ricas, também se destacaram entre os vencedores. Os produtos e serviços laureados já devem estar no mercado ou chegar em breve.

Outro estúdio brasileiro premiado, o Bijari, afirma que sua vitória mostra como é possível fazer bons projetos com nem tantos recursos. Os paulistanos ganharam três vezes —por uma instalação com galhos na entrada de uma casa de shows em São Paulo, pela revitalização de quadras esportivas no parque Ibirapuera e pela identidade visual de cartazes e da comunicação online do projeto "Canção pra Amazônia", uma música-manifesto de artistas que uniram suas vozes pela conservação da floresta.

No caso das quadras esportivas, a ideia era trazer a comunicação visual para o espaço público. A de basquete tem frases e marcações indicando as regras do jogo, e no campo de futebol as linhas verdes do gramado foram distorcidas —também nesta arena, os bancos, iluminados em laranja, viram lanternas à noite. "Pensar o design para além da função faz parte do pensamento do estúdio. De que modo a gente pode trazer esse lugar subjetivo, esse lugar afetivo para que o design possa deixar uma marca do viver a cidade de forma mais interessante", afirma Rodrigo Araújo, um dos diretores do Bijari.

Na noite de premiação em Berlim, quem sobe ao palco não está lá apenas para receber um troféu, mas, sim, para ser exposto à comunidade internacional do design ali reunida para celebrar, beber, comer e dançar até de madrugada. Fora isso, a semana do iF Design Award funciona como um intenso período de networking —nos lobbies dos hotéis, nos bares da região e no lounge do evento, todos localizados nos arredores da estação de trem Friedrichstraße, a troca de cartões e de arrobas de Instagram é constante.

Mas a consagração exige mais do que ter bons projetos. Para inscrevê-los e concorrer a uma chance de ser avaliado por um júri internacional, é necessário pagar. Os vencedores também precisam abrir a carteira —usar o logotipo do iF custa € 3.000, cerca de R$ 16 mil. Somando todas as taxas, o custo beira os R$ 20 mil, um valor considerado alto por estúdios de design menores consultados pela reportagem. Sendo assim, por que tentar a sorte?

Pedro Junqueira, do Estúdio Marte, escritório carioca premiado na categoria de design de serviço por um aplicativo de entregas para Angola, conta que o selo do iF chancela a qualidade do trabalho e ajuda no posicionamento da empresa junto a clientes grandes. Para Letícia Castro, que comanda o escritório do iF no Brasil, o logotipo com as iniciais da premiação facilita a conquista de clientes fora do país para as firmas que querem se internacionalizar.

Movus, carro elétrico e autônomo para transporte de bagagens em aeroportos, projeto do escritório Cura, de Hong Kong
Movus, carro elétrico e autônomo para transporte de bagagens em aeroportos, projeto do escritório Cura, de Hong Kong, vencedor do iF Design Award - Divulgação iF Design Award

Com cerca de 80 categorias, a premiação é ambiciosa, consagrando também projetos de escala industrial, como por exemplo um equipamento médico da Johnson & Johnson voltado para a cirurgia dos joelhos, um conceito de carrinhos automatizados para carregamento de bagagens dos aviões até as esteiras nos aeroportos, desenvolvido pela firma de engenharia de Hong Kong Cura, e um amplificador portátil para instrumentos musicais da coreana Astell & Kern.

Computadores da Apple e um aspirador da Electrolux também foram premiados, mostrando que algumas das marcas mais poderosas do mundo estão atrás de um selo de qualidade, mesmo que não precisem dele para alavancar as vendas. Uwe Cremering, CEO do iF Design Award, afirma que as grandes companhias competem porque querem um júri especializado avaliando seus produtos. "Do ponto de vista do design, eles participam para entender o quão fortes são", diz.

O amplo reconhecimento internacional do prêmio faz com que ele seja considerado por muitos como o Oscar do design, ao lado do Red Dot, outra láurea importante na área, também promovida pela Alemanha. A escolha dos vencedores do iF é feita por especialistas de 20 países, que se reúnem em Berlim para uma maratona de três dias na qual avaliam milhares de produtos. Para o designer e jurado Guto Requena, do escritório paulistano de mesmo nome, "você vê ali um punhado de exemplos de como o mundo vai se transformar nos próximos anos".

Conheça alguns premiados do iF Design Award

Brasileiros que ganharam "gold", a categoria máxima

  • O escritório paulistano BC Arquitetos foi escolhido pelo projeto de interiores da Residência DN, um apartamento num prédio dos anos 1970 na região dos Jardins
  • O estúdio carioca Café.art foi premiado pela interface do site do podcast "Cova Medida" —segundo o júri, um design que promove empatia e compreensão sobre o tema do programa
  • A designer curitibana Luiza Nery foi laureada pelo desenvolvimento do aplicativo Câmbio Verde, que serve para os moradores de Curitiba trocarem materiais recicláveis como papelão e vidro por frutas e verduras

Outros vencedores de destaque

  • Um pavilhão temporário feito para a Feira do Livro de Frankfurt pelo escritório alemão Schneider + Schumacher foi criado para ser desmontado após o uso, guardado e reutilizado. Feito com estruturas de madeira envolvidas numa membrana de plástico reciclado
  • A cafeteira Barsetto BAG-E6 aposta no design minimalista na cor preta para se diferenciar das outas do mercado. Projeto da firma chinesa Guang Dong Xinbao Electrical Appliances
  • A Dong A Pharmaceuticals, uma firma coreana, desenvolveu embalagens de camisinhas em tons pasteis que, segundo a avaliação do júri, ajudam a reduzir a vergonha e a inibição de quem as carrega e normalizam um importante produto de saúde
  • O escritório alemão Design3 propõe o conceito de estações de carregamento, nas calçadas, para bicicletas elétricas, assim como já há para carros elétricos
Embalagem da camisinha Wink, da firma sul-coreana Dong A. Pharm
Embalagem da camisinha Wink, da firma sul-coreana Dong A. Pharm - Dong A. Pharm

O jornalista viajou a convite do prêmio iF Design Award.

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