Descrição de chapéu

Pancetti e Leontina investigam o Brasil moderno em mostras

Exposições 'A Coleção No Seu Tempo' e 'Gesto em Suspensão' pensam a identidade nacional na Casa Roberto Marinho

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Rio de Janeiro

Modernidade maleável, a invenção antropofágica do Brasil se tipifica na indefinição plástica. Se o conceito oswaldiano ainda ecoa, já não se encerra na forma fechada de Abaporus —se alonga no tempo, tateando a abstração que se aproxima do agora: país do futuro, potência agropecuária de cidades globais, exportador de soja, alegria e cizânia.

'Nós, Rio', Ismael Nery, 1957 - Divulgação

José Pancetti, por exemplo, viu um país que se transformava, pintando, em 1941, a tela "O Chão". O quadro está exposto na mostra "A Coleção no seu Tempo", na Casa Roberto Marinho. A instituição comemora cinco anos de existência reunindo peças de seu acervo, que dialogam com a mostra "Gesto em Suspensão", dedicada à artista paulistana Maria Leontina.

"O Chão" é um Pancetti atípico. Em vez do azul das marinhas, tons terrosos se adensam na superfície. De longe, a uniformidade da miscelânia cromática encerra uma interpretação conclusiva da obra.

No discurso figurativo, porém, ressalta-se o ângulo inclinado em que a tela se insere. Como na descida de um barranco, o chão de Pancetti se assenta num terreno acidentado. Nele, um casebre meio disforme se funde ao solo pela cor, de sorte que o homem (a construção) seria a extensão do campo (a natureza).

Ao lado do casebre, irrompe exuberante uma árvore. À frente dele, a terra surge indistinta. Ali, poderia o proprietário plantar para colher. Ou, então, criar alguns bichos. A cena é interiorana: ao fundo, uma criança anda de bicicleta para a esquerda. No sentido oposto, dois meninos passeiam pelo chão de terra batida. São vetores que se anulam, redundam à visão o que a tela é.

Nesse alargamento plástico, se insere a tela "Nós, Rio", pintada em 1927 por Ismael Nery. Dois rostos dão origem a quatro rostos, cada face sendo uma pessoa diferente, representada pela alternância do tom azul na ordem escuro-claro-escuro-claro. O princípio cubista se reflete na parte inferior da tela, onde ficam os troncos dos corpos, força de sustentação da obra. Por óbvio, pode-se observar dois ou quatro troncos, que também se distinguem pela gradação tonal.

Constituído por múltiplos corpos, "Nós, Rio" é um único corpo —brasileiro. Na parede, a obra de arte encara o espectador, que se indaga da própria existência. A pergunta "quem sou eu?" se transmuta, então, em "quem somos nós?". Vive em "nós" uma multidão, que aspira à unicidade.

Em última instância, a identidade nacional que tenta se forjar esbarra na impossibilidade do significado da palavra "rio". O que se agrega em "nós" deságua no "rio", leito de água caudaloso, de difícil apreensão. A vírgula que separa as duas palavras do título da obra confirma a ideia de simultaneidade, evitando a justaposição "Nós e Rio".

Num vaso comunicante, integramos um corpo vivo, mutante. A forma aberta, indistinta no chão de Pancetti e na multiplicidade dos rostos de Nery, conquista a arte contemporânea no conjunto de bandeirinhas do Brasil, concebido por Raul Mourão. O centro da bandeira, onde se leria a inscrição "ordem e progresso", é recortada, deixando um vazio incômodo vazio.

No segundo andar da Casa Roberto Marinho, "Composição", de 1957, integra a mostra "Gesto em Suspensão", se apropriando do mesmo incômodo. A obra é um dos vários enigmas geométricos propostos por Maria Leontina, em que cada uma das unidades —quadrado, retângulo, triângulo— constitui uma forma fechada.

Sobre um pedaço de papelão, Leontina usa guache para desenhar um conjunto de formas que se tangenciam a partir de alguma extremidade. Cada forma é preenchida por cores diversas —preto, branco, marrom— que, no todo, ocasionam uma superfície harmônica, mas não homogênea.

De Pancetti a Mourão, a criação artística de Leontina responde à pergunta "quem somos nós?" usando outras palavras. Sua "Composição" não encara o olhar do espectador, se volta para dentro de si e se multiplica em linhas, ângulos, vértices, transformando o Brasil em claro enigma.

Casa Roberto Marinho

  • Quando Até 16 de julho; ter. a dom., das 12h às 18h
  • Onde r. Cosme Velho, 1.105
  • Preço Grátis
  • Classificação Livre
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