Quem é Ghassan Kanafani, autor de livros fundamentais para entender a Palestina

Assassinado nos anos 1970, autor de 'Homens ao Sol' construiu simbologia do movimento de independência com didatismo

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São Paulo

Há poucos textos tão palestinos quanto "Homens ao Sol", de Ghassan Kanafani. Esse breve romance de 1962, capturou —e ajudou a construir— de maneira precisa a identidade de um povo que há décadas reivindica sua nação no Oriente Médio.

A tradução do livro ao português por Safa Jubran vai ajudar os leitores brasileiros a, enfim, ter contato com a complexidade da história palestina por meio de um de seus textos fundamentais, em vez de só depender dos comentaristas e dos especialistas.

O palestino Ghassan Kanafani escrevendo "Homens ao Sol", em 1962 - Anni Kanafani/Arquivo pessoal

O lançamento faz parte do projeto da editora Tabla de publicar quase toda a obra de Kanafani. Essa casa já tinha publicado em 2022 o infantil "O Pequeno Lampião". Sai agora, além de "Homens ao Sol", o romance "Umm Saad", com tradução de Michel Sleiman. Há outros dois livros em produção, para julho, além de uma obra póstuma já sendo traduzida. Esses próximos títulos ainda não foram anunciados.

Kanafani é um dos grandes nomes da literatura palestina, apesar de menos conhecido no exterior do que o poeta Mahmud Darwich. Falar dele como "escritor", porém, é redutivo. Kanafani era também uma das principais vozes da Frente Popular para a Libertação da Palestina, em que misturava literatura e ativismo. Mais do que misturar, Kanafani escrevia o resultado dialético desses dois campos.

Foi inclusive por sua militância que Kanafani morreu. O Mossad —a inteligência israelense— o assassinou em 1972 com uma bomba implantada no seu carro. Morreu também naquela explosão sua sobrinha de 17 anos, Lamis Najm.

O assassinato foi entendido, à época, como um revide por um massacre no aeroporto israelense de Lod, em que 26 pessoas foram mortas e outras 79 ficaram feridas. Kanafani apareceu em fotos com alguns dos terroristas responsáveis pelo ataque.

O livro "Homens ao Sol", o mais importante de Kanafani, conta a história de um grupo de refugiados palestinos tentando cruzar a fronteira do Iraque para o Kuwait. É uma novela, no sentido de um romance curto, que pode ser lida em um dia. O contexto é a criação de Israel em 1948 e a subsequente "nakba", nome em árabe para a expulsão e fuga de 700 mil palestinos. A palavra significa "catástrofe".

É impossível comentar o enredo sem revelar o final, então fica aqui o alerta para os leitores que queiram se poupar e pular este trecho. É uma história tão conhecida entre palestinos e outros falantes de árabe, ademais, que não há surpresas possíveis. Guardadas as proporções, é como a questão da traição em "Dom Casmurro".

O coração de "Homens ao Sol" é o momento em que o caminhão-pipa dentro do qual os refugiados estão escondidos faz uma parada em um controle fronteiriço. O calor é insuportável, mas os palestinos não querem fazer barulho, e morrem em silêncio.

A história tem uma forte carga política. É uma crítica às alas palestinas que, para não criar fricção, perecem sem barulho. O trecho dá conta de uma parte delicada e complexa da obra de Kanafani, marcada pelo engajamento com a ideia de uma violência aceitável e necessária. A recorrência das imagens de armas foi razão para frequentes críticas.

A ideia da resistência reaparece em "Umm Saad", de 1969, o segundo lançamento da Tabla. O título se refere a uma mulher real, que Kanafani conheceu e que aparece em uma fotografia no fim do livro. "Umm Saad" quer dizer "a mãe do Saad", em árabe. É uma fórmula comum na região, em que os pais acabam ganhando o nome dos filhos.

Umm Saad é um dos personagens mais marcantes da obra de Kanafani. Ele a descreve como "uma escola". Caminha pelo campo de refugiados dando lições de nacionalismo para todos. Mesmo os lábios de Umm Saad são, nas palavras do escritor, "permanentemente palestinos, apesar de tudo". Assim como suas mãos "continuam, também apesar de tudo, e por vinte anos, à espera das armas", ele escreve.

Kanafani discute, nessa novela, o papel das mulheres nas revoluções e sua conexão com a terra. Quando ele olha para Umm Saad, vê "toda a história […] impressa em sua fronte da cor da terra". O elemento controverso e incômodo —ao menos para o leitor contemporâneo e externo àquela situação— é a representação que ele faz de uma mãe que instiga o filho a se armar e a lutar, mesmo sabendo que ele deve morrer.

"Homens ao Sol" e "Umm Saad" têm uma linguagem simples e didática, em que os floreios de linguagem dão lugar à mensagem política. Tem um quê da literatura russa que Kanafani lia, e deixa transparecer suas afinidades com o socialismo. Não é porque é sóbrio, porém, que o texto é seco. As imagens criadas por Kanafani trazem, na verdade, um lirismo potente para a página.

Com esses dois lançamentos, o leitor brasileiro tem em mãos material o bastante para começar a destrinchar a simbologia do movimento palestino pela criação de seu Estado —que Kanafani tanto lutou para ver, mas morreu sem chegar a conhecer. O país ainda não existe, e os embates com Israel não parecem ter solução próxima nem possível.

Homens ao Sol

  • Preço R$ 59,90 (104 págs.)
  • Autoria Ghassan Kanafani
  • Editora Tabla
  • Tradução Safa Jubran

Umm Saad

  • Preço R$ 57 (80 págs.)
  • Autoria Ghassan Kanafani
  • Editora Tabla
  • Tradução Michel Sleiman

Lançamento 'Umm Saad' e 'Homens ao Sol'

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