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Rita Lee

Rita Lee, dona de timing cômico perfeito, também poderia ter sido atriz

Cantora participou de filmes de Anna Muylaert e Cacá Diegues, fez novelas e quase estrelou um longa de Glauber Rocha

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São Paulo

Um desprevenido poderia achar que estava diante de um caso de múltipla personalidade ou de possessão demoníaca. Sem o menor aviso prévio e nas ocasiões mais impróprias, Rita Lee desandava a falar como uma menina de quatro anos. Era Gumgum, a órfã chata, que sempre perguntava ao interlocutor se ele era seu pai ou sua mãe.

Outros personagens de repente encarnavam na cantora e compositora. Havia Regina Célia, a tia solteirona que tentava se passar por jovem. Aníbal, sambista mulherengo, amigo de Gilberto Gil. Ernesto, roqueiro sem noção, natural de Campinas. Alien, um monstro vindo do espaço sideral. Rita tinha a ideia de juntar todos num filme infantil, que jamais foi rodado.

A cantora Rita Lee, em 2001 - Evelson de Freitas/Folhapress

Uma das mulheres que mais vendeu discos no Brasil também era uma atriz de mão cheia e poderia ter sido uma grande comediante se tivesse dedicado mais tempo a esta outra vocação. Convites não faltaram. Até mesmo Glauber Rocha quis tê-la no elenco de seu último longa-metragem, "A Idade da Terra", de 1980.

A estreia no cinema foi com o curta documental "Os Mutantes", de Antonio Carlos da Fontoura, em que Rita aparece ao lado dos irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias. Mesmo sem ser um trabalho como atriz, dá para perceber como a câmera adora Rita.

Mas ela fez poucos filmes, sempre em rápidas aparições. A mais marcante foi em "Dias Melhores Virão", de 1989, de Cacá Diegues, em que vivia Mary Shadow, estrela de uma sitcom americana, e contracenava com Marília Pera.

Também foi a tia Julieta, cliente da loja que dá nome a "Durval Discos", de 2002, de Anna Muylaert. E ainda teve o topete de interpretar o amigo Raul Seixas, que já havia morrido, no curta "Ta ta Estrela por Aí", de 1992, de Tadeu Knudsen.

A isto somam-se diversas participações em atrações de TV, como o humorístico "Sai de Baixo", de 1997, ou a novela "Vamp", de 1991, ambos da Globo, onde demonstrava um impagável timing cômico.

Sem falar em seu próprio programa, TVLeeZão, que teve apenas 12 episódios e foi exibido pela MTV em 1991. Além de entrevistar celebridades como Pelé e Wanderléa, Rita também atuava em esquetes, em que incorporava não só seus personagens clássicos, mas também outros recém-inventados, como a colunista social Adelaide Adams.

Nos seus clipes, Rita costumava ostentar a persona galhofeira que o Brasil aprendeu a amar. Pura alegria e deboche. Mas, nos bastidores, ela era séria e compenetrada.

"Rita foi a pessoa mais profissional que eu conheci", diz Herbert Richers Junior, que dirigiu o vídeo de "Vírus do Amor" para o Fantástico. "Nunca chegava atrasada. Sabia qual câmera estava valendo, respeitava as marcas do set. Depois, na hora da gravação, repetia exatamente o que havia ensaiado."

"Varamos a noite filmando num navio. Alta madrugada, todos exaustos, e Rita e Roberto frescos feito rosas, como se tivessem acabado de acordar. E sóbrios, sem aditivo nenhum. Ela tinha profunda noção do que é entretenimento."

A verve dramática de Rita foi fartamente aproveitada pela publicidade. Seu primeiro comercial de TV foi para a Shell, em 1969, ao lado dos outros dois Mutantes. Seguiram-se dezenas de campanhas em mais de cinco décadas. Tênis, perfumes, moda, lojas de departamentos, operadoras de telefonia. Rita era uma contestadora, mas jamais se posicionou contra o capitalismo.

Soube manipular o sistema e ganhar muito dinheiro, sem vender a própria alma.

Mas ficou nos devendo uma carreira como atriz, ou pelo menos um grande papel, no cinema ou na TV. Por outro lado, para quê? Ela já era a protagonista de uma das vidas brasileiras mais interessantes de todos os tempos.

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