O último capítulo de "Travessia", exibido nesta sexta-feira, só conseguiu impactar o público com um dos poucos enredos que a novela criou na reta final e que repercutiu bem entre os telespectadores —colocando o pedófilo das redes para perseguir Tonho, papel de Vicente Alvite, em uma cena agonizante, que lembra o terror dos sequestros em shopping que assolaram o Brasil nos anos 1990.
A conclusão do drama, porém, eleva o tom do absurdo ao envolver, na mesma cena, a prisão do vilão e um pedido de casamento entre dois dos personagens mais carismáticos da novela.
Foi algo raro para uma novela que, pouco após seu início, em outubro do ano passado, perdeu as rédeas da trama central envolvendo a fake news feita contra Brisa, vivida por Lucy Alves, a partir de um deepfake, esquecida ainda nos primeiros capítulos e só retomada na reta final da novela, já sem grande importância para a trama.
A novela também fechou algumas pontas soltas, mostrando Chiara, personagem de Jade Picon, descobrindo a verdade sobre sua mãe. A ex-BBB provou sua potência e roubou a cena, sendo o maior destaque da noite.
Tradição de final de novelas, o capítulo de encerramento também contou com nascimento de bebês, reconciliações e finais felizes.
Mesmo assim, o espectador não se livrou de elementos absurdos e teve de se deparar com o encontro de Chiara com sua mãe Débora, Grazi Massafera, já morta, por meio de um avatar no metaverso.
A novela de Gloria Perez, um dos grandes nomes da Globo, teve a responsabilidade de suceder o sucesso de "Pantanal". "Travessia", porém, não cumpriu as expectativas. Fugindo de sua sinopse original, ficou rodando em círculos por semanas. Com a sua história deixada de lado, Brisa acabou se tornando mais coadjuvante de luxo do que protagonista, tendo pouquíssimo tempo de tela no último capítulo.
As tramas paralelas também não ajudaram a novela a se reerguer, empilhando diversos elementos de roteiro e enredos absurdos envolvendo desde máfia espanhola até um robô-garçom. Nem a reciclagem de personagens queridos do público foi suficiente para levantar a moral do folhetim.
A delegada Helô (Giovanna Antonelli), Stênio (Alexandre Nero) e Creuza (Luci Pereira), inclusive, foram retirados de "Salve Jorge", de 2013, outra novela da autora que sofreu rejeição do público e foi criticada por inverossimilhanças em seu texto.
"Travessia" só conseguiu aumentar a sua audiência próximo ao capítulo 100, quando apresentou reviravoltas na história e evidenciou as duas únicas tramas bem abordadas da novela —o drama de Karina (Danielle Olímpia) e a dependência digital de Theo (Ricardo Silva). Os dois jovens atores fizeram o que veteranos não conseguiram realizar: cativaram o público com atuações emocionantes.
Mesmo assim, o folhetim voltou a ser alvo de críticas em sua reta final com cenas sem sentido, como a da dança de Brisa na chuva e a descoberta do quimerismo da personagem feita através da preparação de um brigadeiro.
Vale lembrar que os problemas de "Travessia" começaram antes até da novela ir ao ar, com críticas por conta da escalação de Jade Picon para interpretar uma das principais personagens do folhetim.
A atuação sofrida e o sotaque flutuante da influenciadora nos primeiros capítulos viraram alvo de memes nas redes sociais, porém a jovem é a última a carregar a culpa pelo fracasso inicial, já que foi inserida em um papel de coprotagonismo sem nenhuma experiência prévia.
Apesar da rejeição, a ex-BBB se esforçou e mostrou potencial, tendo visível melhora no decorrer da novela, chegando a emocionar na reta final da trama. Jade tem chances de seguir os passos de sua mãe da ficção, Grazi, e se tornar uma grata surpresa ao público.
O impasse entre roteiro e direção também ficou em evidência, mostrando o fracasso da parceria entre Gloria Perez e Mauro Mendonça Filho, outrora de sucesso na série "Dupla Identidade", de 2015. A reta final da novela ilustra isso de maneira didática, com a autora indo às redes sociais expressar descontentamento com cenas sem sentido.
Se no passado Glória pediu a troca da direção de "América", de 2005, ainda no primeiro mês de exibição para alavancar a audiência, em "Travessia" a autora decidiu pagar para ver — e o preço foi caro.
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