Entenda as disputas de Luiz Schiavon e Paulo Ricardo que marcaram o RPM

Tecladista, que morreu nesta quinta-feira, travou embates com o vocalista desde os anos 1980, quando a banda estava no auge

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São Paulo

Além do sucesso estrondoso, que fez do RPM uma das bandas que mais venderam discos da música brasileira nos anos 1980, a história do grupo também é de brigas e disputas na Justiça. O tecladista Luiz Schiavon, morto nesta quinta-feira, se envolveu em embates com o vocalista e baixista Paulo Ricardo desde quando eles estavam no auge.

Schiavon e Paulo montaram o RPM como um grupo feito para atingir o sucesso. Eles combinaram o talento do tecladista, conhecedor do rock progressivo e com formação em piano clássico, com a experiência do vocalista, que havia passado uma temporada na Europa antes de formar a banda.

Da esq. para a dir., P.A. Pagni, Fernando Deluqui, Paulo Ricardo e Luiz Schiavon (à frente), do RPM
Da esq. para a dir., P.A. Pagni, Fernando Deluqui, Paulo Ricardo e Luiz Schiavon (à frente), do RPM - Rui Mendes/Divulgação

De 1984 a 1987, o RPM lançou um álbum de estúdio, "Revoluções por Minuto", e outro ao vivo, o "Rádio Pirata", com números de venda do nível de Roberto Carlos e turnês abarrotadas pelo Brasil. A banda se ancorava num synth-pop com pegada de ficção científica, tendo Schiavon comandando os teclados de verniz futurista e Paulo Ricardo como galã e principal figura.

Em 1987, os dois brigavam por protagonismo. No livro "Dias de Luta", sobre o rock brasileiro dos anos 1980, o jornalista Ricardo Alexandre lembra que a banda assumiu uma atitude arrogante com o sucesso, em um momento regado a sexo e muita droga —em especial, a cocaína.

Paulo Ricardo afirmou ao autor do livro que escreviam "'RPM' com o pó e cheirávamos, fizemos de tudo". "Se ensaiássemos durante a noite, quem chegasse ao estúdio pela manhã faria a festa —só com as nossas sobras, sujeira. Era pó que não acabava mais."

A tensão maior era entre a dupla que montou o RPM. Alexandre narra que em 1986, após um show no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, Schiavon ordenou que o ônibus da banda seguisse sem o vocalista. Depois, o tecladista atrasou em cerca de um ano o lançamento de um registro audiovisual de apresentação da banda, pois acompanhava a edição exigindo que fossem incluídas cenas em que ele aparecesse mais.

A relação azedou de vez quando da produção de um compacto em parceria com Milton Nascimento. O mineiro tinha duas músicas inacabadas —uma, apenas melodia, a outra, apenas um poema. Paulo Ricardo completou as canções, lançadas como "Homo Sapiens" e "Feito Nós", mas disse a Milton que dividiria a autoria com Schiavon, como faziam Paul McCartney e John Lennon, ainda que o tecladista não tivesse atuado na composição.

O cantor do Clube da Esquina disse que não abriria mão de metade dos direitos autorais, mas que Paulo Ricardo poderia dividir a outra metade com Schiavon. No fim, as músicas saíram creditadas apenas à dupla, sem o tecladista, abalando a amizade que antes tinham os integrantes do RPM.

Em meio a divergências criativas, Paulo Ricardo e Schiavon chegaram a anunciar o fim da banda em 1987. Mas eles acabaram voltando a tocar juntos, já que tinham um contrato para lançar cinco álbuns pela gravadora, a CBS, e haviam feito apenas dois.

O grupo então se isolou numa casa em Búzios, no Rio de Janeiro, para fazer o disco. Conforme escreve Ricardo Alexandre, o combinado era que não haveria cocaína, que acabou sendo substituída por outras drogas —álcool, maconha e LSD. O resultado foi um disco mais viajado e psicodélico, na linha do Pink Floyd.

"Não havia unidade sonora", disse Schiavon ao livro. "Registrava o que acontecia com a banda, ainda que tentássemos disfarçar". "Quatro Coiotes", o disco, foi masterizado em Los Angeles, custou muito aos cofres da gravadora, e vendeu cerca de 200 mil cópias —menos de um décimo do álbum ao vivo.

A banda acabou de vez em 1989, depois que Schiavon fez um acordo para lançar um disco sem informar os outros integrantes.

Nas décadas seguintes, o grupo se reuniu algumas vezes para tocar no Domingão do Faustão, onde Schiavon trabalhava como diretor da banda do programa, mas o RPM voltou a se envolver em embates. Junto ao tecladista, os outros integrantes —incluindo o guitarrista Fernando Deluqui e o baterista Paulo P.A. Pagni, morto em 2019— acusaram Paulo Ricardo de deslealdade por ter registrado o marca da banda em seu nome.

Há dois anos, a Justiça proibiu o vocalista de usar o nome do grupo comercialmente e também de gravar as músicas do RPM, além de pagar uma multa de R$ 112 mil, após processo movido pelos outros integrantes em 2017. O motivo do embate foi um contrato assinado em 2007, em que todos os envolvidos se comprometiam a não explorar individualmente o nome da banda.

Paulo Ricardo, que ficou encarregado de registrar a marca como propriedade dos quatro, segundo os outros integrantes, teria registrado apenas em seu nome. Em 2020, o vocalista havia conseguido na Justiça o direito de relançar os maiores sucessos do grupo, mas acabou impedido pela decisão do ano seguinte.

Em 2014 e 2015, o RPM, com todos os integrantes originais reunidos, chegou a anunciar que lançaria um novo álbum, "Deus Ex Machina", com inspirações em Muse e The Killers, e produção do vocalista do Fresno, Lucas Silveira. O álbum, que chegou a ser gravado, acabou descartado e nunca chegou a ser lançado.

Mais recentemente, já sem Paulo Ricardo e P.A., a banda incorporou novos integrantes —Dioy Pallone e Kiko Zara, que se juntaram a Schiavon e Deluqui. Eles chegaram a criar novas músicas, entre elas "Sem Parar", de março, e "O Sol da Liberdade", de abril deste ano.

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