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Janan Ganesh

Como a Europa convenceu o mundo que era superior com produtos de luxo

O velho continente continua a lucrar em cima das inseguranças culturais e estéticas de outras regiões

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Janan Ganesh

Comentarista de política internacional e cultura do jornal Financial Times

Financial Times

Faça uma busca online pelo relógio Bulgari Serpenti. Feito de ouro, aço e diamante, um dos modelos dá três voltas no pulso, caso o relógio tenha passado despercebido de alguém no primeiro ou segundo olhar.

Ou considere a bolsa a tiracolo Marmont Matelassé da Gucci. Ela traz dois G grandes em ouro e, caso isso não seja ouro suficiente, a alça é dourada também. Um terceiro artigo para nosso deleite pode ser uma camiseta Givenchy. Dá para saber que ela é Givenchy porque está estampada explicitamente: "GIVENCHY".

Bolsa Birkin da grife francesa Hermès avaliada em US$ 129 mil, em Nova York - Timothy A. Clary/AFP

Eu não sou nenhum árbitro do bom gosto, de modo que é com certa dose de hesitação que apresento o argumento que segue.

Isso tudo é tranqueira de mau gosto, certo? É a ideia que um ingênuo tem do que seja glamour. Como pagar para exibir um selo azul no Twitter, vestir ou usar essas coisas transmite o oposto de status: sinaliza carência, impressionabilidade.

Muitos argumentos que não se sustentam são apresentados contra o crescente setor europeu (na realidade, franco-italiano) de artigos de luxo. Não, ele não é imoral. A LVMH emprega pessoas e paga impostos. Tampouco tem importância que o setor tecnológico americano seja mais sério que o luxo europeu. Todas as economias têm suas especialidades, suas vantagens comparativas. Por acaso a Europa deveria ignorar as dela até construir uma Riviera de Silício ou alguma coisa assim?

Todas essas queixas passam ao largo da questão principal: o caráter intrinsicamente horrível desses produtos. E a facilidade com que a Europa consegue convencer mercados não europeus a desejá-los. Não estou sugerindo que Bernard Arnault, o presidente da LVMH, fique rindo à socapa da América e Ásia. Mas ele deve saber que pode lançar praticamente qualquer penduricalho e encontrar um público disposto a pagar caro por ele. Se eu estivesse no lugar dele, estaria enumerando ideias diante de um gravador às 3h da manhã, só para ver o que o público estaria disposto a aceitar. "Carregador de celular folheado a ouro... casinha de cachorro de marfim..."

O boom do setor de luxo nos revela muito mais sobre política mundial do que mais uma entrevista com Henry Kissinger revelaria. Por exemplo: o Sul global, onde quer que isso seja, tem uma atitude mais complexa em relação a seus antigos opressores do que muitas vezes finge ter. Sim, há desconfiança, em grande medida justificada. Há superioridade, muita dela merecida. (Como é que um singapuriano não acharia a Europa ocidental estática?)

Mas há também o oposto: uma deferência indevida, porém arraigada, diante da Europa em relação a certas questões de gosto. V.S. Naipaul escreveu sobre a ânsia pós-colonial de "emular" a metrópole. Houve época em que isso significava anglicizar coisas: sotaques, modos, nomes. Uma recordação que tenho de minha infância na Nigéria é de comer "pão Oxford", que, tenho certeza, devia ser simplesmente pão, nada mais.

À medida que uma classe comercial rica começou a surgir nos países pobres, o mimetismo dela assumiu a forma de querer consumir as "melhores" marcas do Velho Mundo. Mas isso se resume à mesma coisa: insegurança, dúvida em relação a seu próprio valor nacional e cultural. O comércio do luxo não é perverso. Mas é lamentável. Há algo de patético em um certo tipo de modo de vida de luxo global: pisos de mármore, mobília branca, taças de champanhe, perfumes fortes demais, restaurantes com banquinhos para bolsas. O problema não é a cafonice visual. É a imitação de uma estética que é vista com desdém irônico em seu próprio mercado nacional.

Já posso prever como o setor de luxo rebateria essa afirmação. "Nossos artigos conservam seu valor." Pode ser que sim. Mas quantos dos compradores os revendem? Ou contraem empréstimos, usando-os como garantia? Outro argumento em defesa do luxo é a qualidade inata de construção dos artigos. Me poupem. O modelo comercial do luxo é genial precisamente porque o custo unitário de produção é baixíssimo, comparado ao preço de venda no varejo.

Não. Sejamos honestos, esqueçamos o constrangimento. Vamos reconhecer que a Europa está pregando uma peça muito lucrativa no mundo. Sorte dela. Eis a outra lição geopolítica a tirar do boom do luxo: não pensem que o velho continente está ultrapassado. Turismo, luxo, futebol –não há nenhum lugar senão a Europa que seduz estrangeiros de modo tão rentável. A ideia de que a Europa é um parque de diversões, não uma máquina de fazer dinheiro, presume equivocadamente que ela não possa converter uma coisa em outra de maneira duradoura.

"Você conhece alguém que compra essas coisas?", me perguntou uma amiga (britânica) no mês passado, quando o setor do luxo estava destacado no noticiário.

Eu conhecia, no passado.

Soho. 1996. Artigos de luxo falsos, roubados ou imperceptivelmente danificados estão num caixote, à venda. Este vosso colunista e seus amigos precisam comprar rápido, antes que apareçam os "federais", como os vendedores os chamam. Compramos um relógio Dior, jeans Versace e um cinto Moschino (que pronunciamos Moxínou). Com o tempo, o sonho se realiza: tudo que estávamos usando ostentava um logotipo famoso.

Eu desejava essas grifes porque tinha 14 anos e era um idiota. Quem diria que eu estava antevendo o rumo que o mundo ia seguir.

Tradução Clara Allain

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