Descrição de chapéu The New York Times

Leilão de joias vende U$ 202 milhões apesar de ser associado ao nazismo

Peças de marcas como Harry Winston e Bulgari eram de Heidi Horten, herdeira austríaca com fortuna associada ao regime

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Zachary Small

As críticas de historiadores e organizações judaicas pouco fizeram para desestimular o leilão, pela Christie's, de joias adquiridas com uma fortuna construída em parte sobre os lucros obtidos pela arianização de empresas judaicas durante o Holocausto.

Com lances online e pessoais, em Genebra, o leilão de joias do espólio da filantropa austríaca Heidi Horten arrecadou US$ 202 milhões, e se tornou a venda de joias mais bem-sucedida da história.

Colar de pérolas e diamantes de Heidi Horten - Fabrice Coffrini/AFP

Os valores de venda dos cerca de 400 lotes superaram os US$ 137 milhões arrecadados com a venda da coleção de Elizabeth Taylor, em 2011. A casa de leilões disse que 98% dos lotes de Horten foram vendidos, e há mais um grande leilão de cerca de 300 lotes da coleção programado para novembro.

A Christie's enfrentou muitas críticas quanto ao leilão por conta do marido de Horten, Helmut Horten, um bilionário empresário alemão que começou a acumular sua fortuna comprando com desconto as empresas de judeus forçados, pelas circunstâncias ou por decreto, a vender suas empresas durante o Holocausto.

"Em uma época de negação do Holocausto e do ressurgimento do antissemitismo em todo o mundo, consideramos especialmente chocante que uma casa de leilões de renome mundial se envolva em uma venda como essa", escreveu Yoram Dvash, presidente da Federação Mundial de Bolsas de Diamantes, em uma carta recente a François Curiel, presidente da casa de leilões na Europa e Ásia.

Representantes da Christie's disseram que decidiram prosseguir com a venda, apesar das críticas, porque os lucros serão destinados à Fundação Heidi Horten, que apoia pesquisas médicas e um museu que abriga a coleção de arte de Horten. A casa de leilões também se comprometeu a doar parte de seus lucros para a pesquisa e educação sobre o Holocausto.

David Schaecter, presidente da Holocaust Survivors' Foundation USA, que representa grupos de apoio às famílias das vítimas do Holocausto nos Estados Unidos, classificou o leilão como "terrível" e disse que ele perpetuou "um padrão vergonhoso de acobertamento daqueles que exploraram o Holocausto para lucrar".

Anthea Peers, presidente da Christie's na Europa, Oriente Médio e África, respondeu a Schaecter em um email no qual disse que "a Christie's procura trabalhar para resgatar algo de bom de um dos períodos mais dolorosos da história mundial e preservar a memória daqueles que tragicamente foram suas vítimas". Ela se recusou a dizer que organizações receberiam doações da empresa, dizendo que caberia a elas se identificarem.

Quando Helmut Horten morreu, em 1987, Heidi herdou quase US$ 1 bilhão e se tornou uma das mulheres mais ricas da Áustria. Ela morreu no ano passado, poucos dias depois da inauguração de seu museu particular em Viena.

Em 2020, a herdeira encomendou um relatório a um historiador, Peter Hoeres, para investigar a natureza da riqueza de seu marido. Hoeres descreveu seu relatório como uma visão balanceada de Horten, e constatou em seu estudo que o empresário sem dúvida lucrou com a coação dos judeus, mas foi motivado por um senso oportunista de negócios e não pelo antissemitismo dos nazistas, com quem ele acabou por se desentender.

O debate pouco fez para reduzir os lances na semana passada. Dos lotes postos à venda na quarta-feira, metade foi vendida por mais de US$ 1 milhão cada, o que inclui um anel Bulgari com um grande diamante rosa que foi vendido por quase o dobro de sua estimativa mais alta, de US$ 10 milhões, incluindo taxas adicionais pagas pelo comprador. Em um dia, o leilão ultrapassou os US$ 150 milhões que a Christie's havia estimado que poderia arrecadar. Os lances adicionais na sexta-feira arrecadaram outros US$ 42 milhões.

Em seu material de marketing para o leilão, a Christie's descreveu as 700 joias como "incomparáveis" e "uma verdadeira personificação da elegância atemporal, do glamour e do apreço por colecionar que caracterizavam a sra. Horten". Os materiais promocionais da venda no site da casa de leilões não incluíam inicialmente qualquer menção à conexão de Helmut Horten com os nazistas, mas textos referentes à sua compra de empresas judaicas foram adicionados posteriormente, e a casa de leilões anunciou seu plano de doar parte de seus honorários.

Dois advogados escreveram para a Christie's na semana passada expressando preocupação com o fato de que o leilão poderia constituir violação dos direitos de restituição dos herdeiros das vítimas do Holocausto. Um deles, Steven Lieberman, de Washington, disse que representava um herdeiro do dono de uma empresa expropriada por Helmut Horten.

A segunda advogada, Nitsana Darshan-Leitner, que comanda um centro jurídico israelense chamado Shurat HaDin, disse à casa de leilões que "qualquer comprador em potencial desses itens deve ser informado sobre a conexão dos Horten com a coerção e o roubo de propriedades judaicas durante o Holocausto".

Representantes da casa de leilões disseram que nenhuma das 700 joias à venda foi comprada ou confiscada de judeus durante o Holocausto. Mas os críticos ainda assim expressaram preocupação sobre a origem de parte da fortuna que permitiu que elas fossem compradas.

Tradução Paulo Migliacci

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