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Coleção Folha traça panorama de livros clássicos de Portugal e do Brasil

Série tem obras indispensáveis, como de Machado de Assis, e que renovam o cânone, como de Maria Firmina dos Reis

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Porto Alegre

Para que o mar fosse desbravado, mães choraram, noivas foram abandonadas e filhos rezaram em vão. Ainda assim, a conclusão foi otimista. "Valeu a pena? Tudo vale a pena/ se a alma não é pequena." Os versos do livro "Mensagem", de autoria do poeta português Fernando Pessoa, tratam do oceano e da expansão marítima portuguesa.

O Atlântico separa —ao mesmo tempo que conecta— Brasil e Portugal. Suas águas profundas servem de metáfora para a Coleção Folha Clássicos da Literatura Luso-Brasileira, que será lançada no próximo domingo, 2.

Retrato de Machado de Assis feito por Marc Ferrez - Marc Ferrez

A série é composta por 30 livros com o melhor da literatura clássica dos dois países. O idioma é um território comum entre as nações, o que remete mais uma vez a Pessoa, que escreveu "minha pátria é a língua portuguesa", no "Livro do Desassossego".

Aliás, tanto a obra "Mensagem", de poesia, como "Livro do Desassossego", em prosa, integram a coleção em um volume único. Os livros abrangem diferentes gêneros, incluindo romance, conto e teatro, bem como inúmeros autores que dão conta de representar diferentes escolas literárias e períodos históricos.

"Buscamos estabelecer um panorama da produção literária luso-brasileira que contemplasse um universo de autores já conhecidos e enriquecido com autores menos populares, mas nem por isso menos clássicos", diz Cléia Magalhães, gerente-geral de Marketing do Grupo Folha e uma das coordenadoras do projeto.

Autores indispensáveis como Lima Barreto, Cruz e Sousa e Eça de Queiroz estão ao lado de escritoras como a maranhense Maria Firmina dos Reis, autora de "Úrsula" e "Gupeva", a fluminense Júlia Lopes de Almeida, de "A Falência", e a gaúcha Maria Benedita Bormann, de "Uma Vítima". Estas últimas também caracterizam a renovação do cânone literário, que tem enfim reconhecido vozes negras, de mulheres e de diferentes regiões do Brasil.

"O primeiro romance publicado por uma mulher no Brasil torna abolicionista e negra a gênese da escrita feminina ficcional", afirma Fernanda Miranda, professora de teoria da literatura da Universidade Federal da Bahia sobre "Úrsula", publicado em 1859.

Os textos das contracapas foram escritos por críticos, jornalistas, escritores e pesquisadores como Alcir Pécora, Adriano Schwartz, Fernanda Miranda, João Pereira Coutinho, Naief Haddad, Noemi Jaffe e Sérgio Rodrigues. Eles contextualizam de forma breve os volumes, destacando a pertinência e não raras vezes a atualidade das questões abordadas.

Os livros, entretanto, não são apresentados de forma cronológica. O rompimento com a chamada linha do tempo amplia as possibilidades de relações entre temas e estilos.

"A Coleção nos permite ir e vir no tempo e no espaço de cada livro, sem levar em conta a cronologia que por vezes limita nossa interpretação da produção literária a relacionando somente com o que veio antes e com o que veio depois", diz Magalhães.

"Nesse contexto, os textos estabelecem suas próprias conexões, diálogos e apropriações. Pensar nessas obras como um movimento circular é poder rever, inclusive, a história que está instituída e recuperar lacunas que foram silenciadas", ela acrescenta.

Um exemplo são os dois primeiros escritores da série, o oitocentista Machado de Assis, e o quinhentista Gil Vicente, que espelham o Brasil e Portugal, respectivamente, de suas épocas históricas.

Machado de Assis foi definido como um autor de "máxima realização" da literatura brasileira. A definição é de Luís Augusto Fischer, crítico literário e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a UFRGS, no seu livro "Duas Formações, Uma História: Das Ideias Fora de Lugar ao Perspectivismo Ameríndio".

A obra machadiana "Quincas Borba", de 1891, inaugura a coleção. O romance, narrado em terceira pessoa, conta a história de enriquecimento de Rubião, um professor humilde de Minas Gerais que herda a fortuna de Quincas Borba, um filósofo que não goza plenamente de sua sanidade mental.

É de Quincas Borba a famosa formulação "ao vencedor as batatas", algo similar à ideia de sobrevivência do mais forte ou mais adaptado. "Rubião se torna vítima da lei que enunciava sem conhecer seu significado. Darwin versão [Herbert] Spencer, mediante síntese biruta de Quincas Borba —ao vencedor, as batatas", analisa Homero Vizeu Araújo, professor da UFRGS, no livro "Machado de Assis e Arredores".

Isso porque, vivendo na corte do Rio de Janeiro após ascender socialmente, Rubião terá seu patrimônio dilapidado por figuras interessadas no seu dinheiro. Logo, as batatas não serão destinadas a ele.

"Machado de Assis, autor que se confunde com narrador, monta uma condenação satírica implacável do circuito chique do Rio de Janeiro oitocentista, apresentado como uma corja de parasitas", afirma Vizeu Araújo em seu livro.

O segundo volume é dedicado ao teatro de Gil Vicente, com três textos, "Auto da Barca do Inferno", de 1517, "Farsa de Inês Pereira", de 1523, e "Auto da Índia", de 1509.

Gil Vicente escreveu "Farsa de Inês Pereira" a partir do ditado "mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube". Na peça, Inês é uma jovem que quer escolher o marido. Ela escolhe um pretendente letrado, mas que a prende em casa. Ele parte para a guerra e morre. Viúva, ela aceita se casar com Pero, um fazendeiro rico, porém, inculto.

O protagonismo feminino é um tema atual, mas já aparecia na obra vicentina por meio de uma personagem bem desenvolvida. Com rimas e humor, o texto é de fácil leitura. O gênero teatro pode causar alguma estranheza, mas não é impeditivo para sua fruição.

"No texto teatral, o narrador é ausente. Então, as personagens falam por si mesmas. Esse formato tem uma implicação importante, tudo que a gente precisa saber ficamos sabendo pelos personagens", afirma Douglas Ceccagno, professor de letras da Universidade de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul.

Gil Vicente era um autor cristão, mas crítico à Igreja. "No ‘Auto da Barca do Inferno’ aparece a crítica aos desvios morais dos clérigos. Ele aponta que alguns padres tinham relações com mulheres e recebiam benefícios", diz.

Segundo o professor, o texto segue atual em razão de temas universais como a luta entre o bem e o mal e o engano. "No ‘Auto da Barca’ alguns personagens acreditam que os objetos que eles querem levar após a morte os vão salvar, mas são aquilo que os condena", afirma Ceccagno.

Essa característica de se manter atual também forma um clássico, como lembra Cléia Magalhães, coordenadora do projeto. "Como disse Italo Calvino, o clássico é um livro que nunca acaba de dizer o que tem a dizer. Por isso, o lemos a vida inteira e várias vezes. E assim é com esta Coleção Folha. Gerações de uma mesma família frequentarão essa biblioteca, que manterá vivo o interesse pela nossa língua."


Como comprar

Lançamento nacional em 2 de julho. Na compra do 1º volume, grátis o 2º.

Site da coleção: https://colecoes.folha.com.br/

Telefone: (11) 3224-3090 (Grande São Paulo) e 0800 775 8080 (outras localidades)

Frete grátis: SP, RJ, MG e PR (na compra da coleção completa)

Nas bancas: R$ 25,90 o volume

Coleção completa: R$ 638,44 (para assinantes Folha)
Demais leitores: R$ 751,10
Lote avulso: R$ 150,22

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