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Como Maria Firmina dos Reis deu voz a escravizados antes da abolição

Coleção Folha traz volume com o romance 'Úrsula', da autora pioneira, e o conto 'Gupeva', que problematiza colonização

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Porto Alegre

Quando publicou "Úrsula", em 1859, Maria Firmina dos Reis não se identificou. Abaixo da indicação de que o livro se tratava de um "romance original brasileiro", escreveu apenas "uma maranhense".

ilustração em preto e branco de mulher negra
Ilustração de Heloisa Hariadne para recente edição de 'Úrsula', clássico de Maria Firmina dos Reis, na Antofágica - Divulgação

No prólogo, reconheceu sua dificuldade no meio literário masculino. "Sei que pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e a conversação dos homens ilustrados."

Antecipando o esquecimento do livro, redescoberto mais de cem anos depois da publicação original, escreveu que sabia que a obra sofreria "entre o indiferentismo glacial de uns e o riso mofador de outros".

Nascida em São Luís, no Maranhão, Maria Firmina era negra e publicou seu romance de estreia em um país ainda escravocrata —a abolição viria quase 30 anos depois, em 1888. Autodidata e professora, seu livro é apontado como o primeiro romance publicado por uma mulher no país.

Ela ousou escrever uma obra que diferia das demais não apenas porque tinha três escravizados como personagens, mas por seu posicionamento antiescravista. Túlio, Suzana e Antero são mais relevantes nas análises da obra do que Úrsula, a protagonista que dá título ao romance.

O livro é o terceiro da Coleção Folha Clássicos da Literatura Luso-Brasileira, que chega às bancas no domingo, dia 9. A edição conta ainda com outro conto da autora, o indianista "Gupeva".

"A voz inaudita do negro rompe com o silenciamento constitutivo da história e inscreve a memória como bússola de outra navegação, restituindo ao escravizado a condição de sujeito e articulando na figura senhorial a mimesis do poder que a todos oprime", escreve Fernanda Miranda, professora de teoria da literatura da Universidade Federal da Bahia num dos textos da edição.

"Úrsula" é uma obra do romantismo brasileiro e, por isso, inclui elementos como a morte, o amor idealizado, o nacionalismo e o culto à natureza. O enredo gira em torno do amor da personagem-título, uma jovem branca.

Mas, como afirma a pesquisadora Roberta Flores Pedroso, doutoranda na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a "história é muito mais do que um triângulo amoroso" porque os personagens escravizados falam, "sob seu ponto de vista, a respeito da escravidão, dispensando a mediação daquele narrador afeito aos valores escravagistas predominantes da época".

"Meteram-me a mim e a mais trezentos companheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e infecto porão de um navio. (…) Davam-nos água imunda, podre e dada com mesquinhez, a comida má e ainda mais porca. (…) É horrível lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim e não lhes doa a consciência de levá-los à sepultura asfixiados e famintos", lembra a personagem Suzana sobre seu sequestro na África.

Além disso, há traços que remetem ao romance gótico, com um final obscuro e mudanças no cenário natural que refletem o mal iminente. "Nem uma estrela se pintava no céu, nem a Via Láctea esclarecia um ponto sequer do firmamento. Era tudo trevas. O vento zunia com estampido e a chuva caía em torrentes com fragor imenso."

"A paisagem em ‘Úrsula’ é uma elaboração estética inusitada, por parecer estar incorporada às emoções e à psicologia dos personagens", explica Pedroso.

Por sua vez, o conto "Gupeva" trata de indígenas tupinambás da Bahia. O protagonista é um cacique que testemunha sua filha Épica ser disputada por um homem de sua comunidade e um jovem francês de passagem pelo Brasil.

Para a pesquisadora da UFRGS, no conto, a escritora demonstra sua tese de que a "harmonia entre europeus e indígenas servia para justificar uma nação que estava longe ser concordante". "Além disso, uma relação de incesto na obra nos faz repensar as relações amigáveis entre o indígena e o europeu", diz.

Uma das maiores inovações da obra da maranhense é justamente fazer a inversão entre o que era então estabelecido como barbárie e civilização. Quando a personagem Suzana lembra do momento em que foi presa por brancos, diz: "Os bárbaros sorriam-se das minhas lágrimas".


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