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Artes Cênicas Zé Celso (1937-2023)

Conheça dez nomes que fizeram a cabeça de Zé Celso, do Teatro Oficina

Banquete de influências é vasto e inclui brasileiros Oswald de Andrade e Davi Kopenawa e russo Constantin Stanislavski

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São Paulo

O banquete de referências do diretor Zé Celso Martinez Corrêa, que morreu nesta quinta (6), é vasto e, ao mesmo tempo, muito particular.

Partindo dos verbos antropofágicos de Oswald de Andrade, talvez a influência suprema, Zé Celso devorou o russo Stanislavski e o francês Artaud; entre os brasileiros, engoliu a atriz Cacilda Becker e o xamã Davi Kopenawa. Comeu esses e outros, se esbaldou e, feita a digestão, criou uma obra teatral extraordinária.

Conheça dez entre os nomes que fizeram a cabeça de Zé Celso, em ordem alfabética.

Zé Celso em cena de "Pra Dar um Fim no Juízo de Deus", em montagem de 2015 - Divulgação

Antonin Artaud (1896-1948)

O Teatro da Crueldade, conjunto de ideias desse teórico e dramaturgo francês, rechaça a racionalidade ocidental e a valorização da dramaturgia em detrimento da encenação. Artaud preconizou a experiência corpórea dos atores, a interação entre elenco e plateia, e a utilização de espaços não convencionais. Em suma, o teatro, para o francês, era uma experiência ritualística –quem já viu uma peça do Oficina sabe do que se trata.

Em 1996, Zé Celso dirigiu "Para Dar um Fim no Juízo de Deus", na qual Artaud colocou em questão a ideia do juízo final. A peça, que tinha Marcelo Drummond, Pascoal da Conceição, Camila Mota e o próprio diretor no elenco original, teve diversas remontagens nos anos seguintes.

"Ninguém representa nada em Artaud; é um Teatro de ‘presentação’. Ninguém está no lugar de uma personagem; é uma emissão direta dos corpos presentes", afirmou o diretor à Folha em 2015.

O teatrólogo francês Antonin Artaud em foto feita por Man Ray, em 1926 - Man Ray/Reprodução

Bertolt Brecht (1898-1956)

A influência do dramaturgo e diretor alemão sobre Zé Celso é especialmente relevante no final da década de 1960, quando ele montou "Galileu Galilei" (1968) e "Na Selva das Cidades" (1969). Nos anos seguintes, porém, o diretor paulista se afastou do chamado "teatro épico" do alemão, conhecido, grosso modo, por abordagens cerebrais.

"Brecht eu deixei para trás completamente. Quer dizer, às vezes tem umas reminiscências. Mas eu acho o Oswald de Andrade muito superior ao Brecht, a dramaturgia dele", disse à Folha neste ano.

Cacilda Becker (1921-1969)

Na década de 1960, Zé Celso tornou-se amigo dessa grande atriz, que seria reverenciada por ele ao longo das décadas seguintes.

"Em 1968, Cacilda estava totalmente dentro de um movimento revolucionário, como um totem, uma líder, muito especial, porque ela realmente tinha um discurso político. Era uma espécie de Lênin, uma estrategista da arte. Não era à esquerda, à direita, nem ao centro, tinha uma prática ligada à arte teatral. Sua figura era queridíssima por todas as áreas. Daí vem o ‘Viva Cacilda Becker', do Caetano (em discurso no Festival Internacional da Canção, diante de vaias à sua música ‘É Proibido Proibir')", disse à Folha.

Em 1998, ano dessa entrevista do diretor ao jornal, entrou em cartaz "Cacilda!', espetáculo sobre a vida da atriz, com Bete Coelho e Giulia Gam dividindo o papel- título.

Constantin Stanislavski (1863-1938)

"Pequenos Burgueses" (1963), do russo Máximo Gorki, foi o primeiro sucesso do Teatro Oficina, um êxito que se deu muito em razão do modo como Zé Celso soube usar as memórias emotivas dos atores para construir os personagens. Era uma das bases do método do diretor e escritor Stanislavski, também russo.

"Eu tive uma influência de Stanislavski muito importante. Essa eu não renego jamais. Ele trabalha o inconsciente. Stanislavski superou o ego das pessoas. O ator tem muito ego, né? Mas aí tinha o Stanislavski. Então, era muito fácil dirigir", disse à Folha neste ano.

Davi Kopenawa (1956- )

Nos últimos meses, Zé Celso vinha se reunindo com colaboradores do Oficina para preparar a encenação de "A Queda do Céu", livro de autoria do xamã e líder do povo yanomami Davi Kopenawa e do antropólogo Bruce Albert.

No projeto 200 anos, 200 livros, organizado no ano passado pela Folha, Zé Celso indicou "A Queda do Céu" como uma das obras fundamentais para entender o Brasil: "Esse livro revela o povo índio sujeito, com cultura xamãnica que se aconselha com os xapiri, espíritos da floresta. O livro é 'manifesto xamânico', revelando, nessa autobiografia, a luta pela floresta em pé, impedindo que a mineração envenene rios nos territórios sagrados".

Retrato de Davi Kopenawa
Davi Kopenawa durante evento de lideranças Yanomami - Adriana Duarte / ISA

Euclides da Cunha (1866-1909)

A partir de 2002, Zé Celso dirigiu uma série de cinco peças que adaptaram a obra-prima do escritor e jornalista sobre a Guerra de Canudos. "A Terra" (2002), "O Homem 1" (2003), "O Homem 2" (2003), "A Luta 1" (2005) e "A Luta 2" (2006) totalizaram mais de 20 horas de duração.

Zé Celso falou sobre a obra para o projeto 200 Anos, 200 livros: "Livro de anunciação do povo brasileiro. Sua leitura em voz alta revela o mistério dos grandes livros: poesia de ethernidade presente, escrito do ponto de vista da vertigem".

Jean Genet (1910-1986)

"As Boas" (1991), com Raul Cortez, foi a primeira montagem de Zé Celso baseada em um texto do dramaturgo e poeta francês. Seis anos depois, o diretor voltou a Genet com "Ela", que falava sobre a relação de um papa com a mídia.

"Como ele [Genet], não divido o mundo entre bi, homo, hetero, mas entre os que se arriscam pra gozar o amor e os que ficam enchendo o saco dos outros por não conseguirem fazer isso. O amor é livre", disse Zé Celso num bate-papo promovido pela Folha em 1997.

Judith Malina (1926-2015) e Julian Beck (1925-1985)

Em 1970, os grupos teatrais de vanguarda Os Lobos (Argentina) e Living Theater (EUA), de Beck e Malina, estiveram no Brasil para trabalhar ao lado do Oficina.

Houve tensão na convivência entre as companhias, mas é inegável que "Gracias, Señor" (1972) é um espetáculo de Zé Celso marcado pela influência desse grupo off-Broadway, conhecido pelas encenações subversivas, com recorrente participação do público.

Oswald de Andrade (1890-1954)

Seguindo a ordem alfabética, o escritor, poeta e dramaturgo paulistano aparece como último nome desta lista. Não se engane: Oswald é uma figura central no teatro concebido por Zé Celso ao longo de mais de 70 anos de carreira.

Não se compreende o tropicalismo do Oficina sem passar pelo autor de "Pau Brasil" e "Manifesto Antropófago".

Depois da revolução representada pela peça "O Rei da Vela", em 1967, o diretor reencontrou textos de um dos fundadores do modernismo brasileiro em peças como "Mistérios Gozosos" (1994).

"Eu era colonizado. Mas aí chegou O Rei da Vela e Oswald de Andrade se tornou meu grande mestre, meu xamã. Fui interpretando tudo através dele: Shakespeare, Tchekhov. Toda a minha geração fez isso, a geração da Tropicália. A gente não engolia mais enlatado. A gente comia cultura colonizada e retornava com algo modificado. Nós todos, no fundo, somos índios", disse à revista Veja em 2017.

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