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Jane Birkin, estrela da música e do cinema, foi a mais chique do mundo

Com um estilo de vida que ditou a cultura dos anos 1960, artista morreu linda após influenciar as áreas que atravessou

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A atriz e cantora Jane Birkin em 1970 Lothar Parschauer/DPA via AFP

São Paulo

Morreu a mulher mais chique do mundo. Discretamente, como a manhã descortinou o domingo, dia 16 de julho, a atriz e cantora Jane Birkin, musa intemporal da canção francesa, cuja obra venceu as décadas em discos, filmes e peças de roupa, desapareceu de seu apartamento em Paris, na França, sem que soubéssemos por quê.

Em 76 anos, Birkin só precisou existir para criar obras de arte. Seu estilo de vida impactou a música, o cinema, a moda e a televisão, ditando os rumos da vida cultural dos anos 1960.

Jane Birkin em cena do filme 'Jane B. por Agnès V.', de Agnès Varda
Jane Birkin em cena do filme 'Jane B. por Agnès V.', de Agnès Varda - Reprodução

Sendo, antes de tudo, imagem, Birkin moldou a sua obra para chegar intacta ao século do Instagram, subvertendo a própria dinâmica da internet. Ao negar qualquer vestígio de superficialidade, incorporou o pensamento de uma geração de artistas, delimitando um modo de ser e de estar no mundo moderno.

Mais francesa do que inglesa, redefiniu o que é ser uma parisiense. Na juventude, o uso do jeans e da regata branca indicou a opção pela elegância natural. Seus vestidos eram discretos, quase sempre em tons neutros, acentuando sua sensualidade lânguida, que contrastava com a visão fulminante de um par de olhos azuis.

Usando smoking, invenção do estilista francês Yves Saint-Laurent, contribuiu para a emancipação da mulher, sem aderir a dogmatismos. No fim da vida, Birkin não tirava os tênis All Star, reavivando as sensibilidades contraculturais de sua juventude.

Filha de uma atriz e de um tenente da marinha britânica, Birkin nasceu em Marylebone, na capital inglesa. Aos 17 anos, conheceu o compositor John Barry, com quem se casou, em 1965, e teve sua primeira filha, Kate.

O diretor Bertrand Tavernier e a atriz e cantora Jane Birkin em 1990 - Gilles Leimdorfer/AFP

O casamento com o autor da trilha de "James Bond" duraria apenas três anos. De volta à casa dos pais, Birkin fez testes para o cinema e iniciou a carreira de atriz no filme "Blow-Up: Depois daquele Beijo", do italiano Michelangelo Antonioni, lançado em 1966.

No set de filmagens de "Slogan", romance dirigido por Pierre Grimblat, conheceu o homem que mudaria sua vida: o cantor e compositor Serge Gainsbourg, que despontava como gênio da "chanson française".

Oficializado em 1968, o casamento foi, desde a origem, registrado pela indústria do audiovisual. Homem de muitas musas, o cantor resolveu gravar, um ano depois, o disco "Jane Birkin & Serge Gainsbourg", com participação de sua mulher.

Obra-prima da história da música, o álbum provocou um ato precoce da globalização. Num escândalo mundial, a faixa de abertura, "Je t’Aime Moi Non Plus", que simulava uma relação sexual, com gemidos e sussurros da dupla, foi censurada em diversos países, inclusive no Brasil.

Originalmente, Gainsbourg gravara a canção com Brigitte Bardot, sua outra musa. Preocupada em manter o casamento com o bilionário alemão Gunter Sachs, Bardot preferiu que a composição não fosse lançada.

"Jane Birkin & Serge Gainsbourg" trouxe ainda os clássicos "L’Anamour", "Sous le Soleil Exactement" e "Les Sucettes". Morando em Paris, Birkin se tornou símbolo sexual, sobretudo por seu inconfundível sotaque britânico, bem acentuado na faixa "Orang Outang".

Do casamento que durou 13 anos, nasceu, em 1971, a segunda filha de Birkin, a atriz Charlotte Gainsbourg. O compositor, que filtrou no cancioneiro popular a tradição da poesia francesa, tinha em Birkin sua "muse malade", como o poema de Charles Baudelaire.

Como na vida e na obra do poeta, a devoção de Gainsbourg pela mulher era um sentimento irmanado de seu desprezo pela figura feminina, de modo que não havia distinção entre amor e ódio.

Consumido pelo álcool e pelo cigarro, o artista se deixou levar pelo ímpeto de Gainsbarre, seu alter ego, criado por ele próprio, para dar vazão às polêmicas que suscitava nos programas de auditório da TV francesa. O personagem grosseiro e maltrapilho foi determinante para o fim, em 1980, de uma das histórias de amor mais famosas da segunda metade do século 20.

Na época, o trabalho de Birkin como atriz já havia ganhado outra dimensão para a indústria do cinema. Em 1978, ela atuou, com Michel Piccoli, no longa "A Filha Pródiga", do diretor Jacques Doillon, de quem teria, quatro anos mais tarde, sua terceira filha, a atriz Lou Doillon.

Agnès Varda, uma das principais cineastas da nouvelle vague, concederia protagonismo a Birkin em "Kung-Fu Master!", de 1988. No longa, a atriz se apaixona por um garoto de 14 anos. A beleza de Birkin mobilizava, assim, o idealismo de jovens imberbes, a admiração da comunidade gay e a inveja das outras mulheres.

Ainda 1988, Varda filmou "Jane B. por Agnès V.", um retrato impressionista em que a artista revê sua vida e obra. Preferindo a simplicidade, Birkin costumava usar uma bolsa de palha para guardar seus pertences.

Jane Birkin em cena do filme 'Jane B. por Agnès V.', de Agnès Varda
Jane Birkin em cena do filme 'Jane B. por Agnès V.', de Agnès Varda - Reprodução

Em 1984, Birkin mudaria de acessório, após encontrar Jean-Louis Dumas, diretor da grife Hermès, num voo que ia de Paris a Londres. Dumas decidiu batizar um novo modelo de bolsa com o sobrenome da artista. Prática e flexível, a bolsa Birkin se tornou um dos acessórios mais caros e exclusivos do mundo.

Na música, a cantora lançou 14 álbuns, entre eles"Di Doo Dah", de 1973, "Lost Song", de 1987 e "Fiction", de 2006. Não raro, Birkin se voltava ao repertório de Gainsbourg, seu alicerce musical e comercial.

Assim nasceu "Birkin/Gainsbourg: Le Symphonique", em 2017, disco em que interpretou sucessos do ex-marido em arranjos sinfônicos. Admiradora da cultura brasileira, Birkin cantou "O Leãozinho", ao lado de Caetano Veloso, no disco "Rendez-vous", de 2004.

São muitas as correspondências entre Birkin e o Brasil. Revolucionada por Gainsbourg, a chanson française se transfigura, entre a bossa nova e o cool jazz. O canto sussurrado e ofegante de Birkin estava ligado à interpretação joãogilbertiana pelo contexto cultural dos anos 1960.

Naquela época, caminhava-se em Ipanema, como quem flanava em Montparnasse. Do mesmo modo, a elegância da mulher carioca não pode ser dissociada do estilo da parisiense. Se Birkin se vestia com jeans e regata branca, a mulher carioca tinha liberdade para calçar sandálias Havaianas sem perder a postura.

Em última instância, a imagem de Birkin foi a representação de um tempo que não envelhece. Fragorosamente, os personagens da vida cultural dos anos 1960 morrem, deixando inabaláveis os alicerces da estética moderna que tanto aspiraram. "Dia após dia os amores mortos/ Não param de morrer", diz a "Chanson de Prévert", de Gainsbourg. Birkin morreu linda.

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