Descrição de chapéu Obituário Doris Monteiro (1934 - 2023)

Morre Doris Monteiro, cantora que antecipou a bossa nova, aos 88 anos

Artista que estreou ainda na década de 1940 ficou conhecida pela 'voz pequena' e gravou mais de 60 álbuns

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Etel Frota
São Paulo

A cronologia da carreira de Dóris Monteiro, morta nesta segunda-feira (24) fala, de forma eloquente, do papel da cantora como precursora do grande movimento da música brasileira no século 20.

Com sua "voz pequena", segundo ela mesma definia, cantando coisas "mais mexidinhas", como lhe sugerira o compositor Billy Blanco, já cantava no estilo da bossa nova em 1957, quando gravou "Mocinho Bonito" (B.Blanco), a música mais tocada nas rádios brasileiras naquele ano. "O Encontro", espetáculo com João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes que marcou o início da bossa nova, só aconteceria cinco anos depois.

Monteiro morreu de causas naturais, segundo um comunicado publicado no perfil da artista no Instagram. Ela tinha 88 anos e estava em sua casa no Rio de Janeiro. Ainda não foram divulgadas informações sobre o velório e o sepultamento.

A cantora Doris Monteiro, na década de 50
A cantora Doris Monteiro, na década de 1950 - Reprodução

A cantora estreou aos 16 anos, na Rádio Nacional, no programa de imitações Papel Carbono, de Renato Murce. Em um tempo de vozeirões e arroubos de interpretação, venceu a competição imitando Lucienne Delyle na delicada canção francesa "Boléro" (P.Durand/H.Contet). Pouco tempo depois, passou de caloura a contratada da emissora, onde permaneceu por mais de 2 anos.

Seu primeiro disco, "Todamérica", foi lançado em 1951. A canção "Se Você Se Importasse" (Peterpan), esteve entre as seis mais representativas daquele ano.

Na TV Tupi, onde permaneceu por mais sete anos, perdeu o Adelina do nome e viveu seu apogeu. Causou frisson, cantando em francês e inglês no Copacabana Palace.

Estreou no cinema em 1953, em "Agulha no Palheiro", de Alex Viany. Faria mais sete filmes, incluindo o premiado "De Vento em Popa", de Carlos Manga, lançado em 1957. Ainda na TV Tupi, ganhou um programa com o seu nome. Depois, voltou para a Rádio Nacional.

Lançou mais de 60 álbuns de repertório, a maioria pela Odeon. Outros grandes sucessos foram "Mudando de Conversa"(Maurício Tapajós/Hermínio de Carvalho), "Conversa de Botequim"(Noel Rosa), "Dó-ré-mi" (Fernando César/Nazareno de Brito).

Nascida no Rio de Janeiro, em 23 de outubro de 1934, filha de Glória Monteiro Murta, portuguesa que trabalhava como empregada doméstica, Adelina Doris Monteiro nunca conheceu o pai biológico. Sua mãe pagava uma mulher para que cuidasse do bebê. Dona Augusta, amiga de Murta, queria que o casal Ana Maria e Lázaro Cordeiro, também portugueses, adotassem a criança, mas Ana Maria resistia.

Uma tarde, encontrando-a magrinha e desnutrida na casa onde era cuidada pela estranha, Dona Augusta pegou a criança e a depositou na cama de Ana Maria, sentenciando "ou crias ou deixas morrer".

Ana Maria não só criou como virou folclore nos bastidores do rádio por estar o tempo todo acompanhando a filha que, ainda menina, despontava para o sucesso. "Fui eu que inseri a mãe no rádio brasileiro. Eu era a menina com uma trança do lado esquerdo e a mãe do lado direito", costumava dizer Monteiro, rindo.

Um belo dia a mãe biológica voltou. Não tendo tido sucesso na tentativa de resgatá-la da mãe adotiva, mudou-se, com o marido, para a vizinhança. "Éramos todos amigos. Ela ainda me deu um irmão, e hoje tenho meus sobrinhos queridos", dizia a cantora, referindo-se, com a maior naturalidade do mundo, à inusitada família portuguesa que reuniu a sua volta.

Dóris Monteiro protagonizou rumorosos romances. O casamento, aos 18 anos, com um playboy capixaba, tendo Chacrinha como padrinho, foi capa da Manchete. Seis meses depois, estava separada.

Noticiou-se, em 1955, seu envolvimento com Alberto Bandeira, tenente da Aeronáutica, detento da Penitenciária Lemos de Brito. Condenado pelo crime do Sacopã -rumoroso caso de homicídio no Rio, em 1952- Bandeira teria dela se enamorado em uma apresentação que a cantora fizera na instituição. Embora negasse o namoro, visitou-o algumas vezes na prisão. A imprensa deitou e rolou. A pena foi posteriormente revogada.

Em 1956, coroada "Rainha do Rádio", a imprensa creditou sua eleição a um pretenso envolvimento amoroso com Assis Chateaubriand, que ordenara a compra intempestiva de centenas de milhares de exemplares da "Revista do Rádio", que equivaliam a votos no certame.

Ruy Castro, em "A noite do meu bem" (Cia das Letras) justifica a ação de Chatô pelo interesse de que pela primeira vez a Rádio Tupi, emissora dos Associados que presidia, emplacasse uma vencedora no concurso. E acrescenta que não haveria lógica em o magnata esconder, se houvesse, um romance com uma das mulheres mais belas e desejadas da época, já que ambos eram desimpedidos.

Dóris Monteiro minimizou não só o papel do jornalista no episódio, como também a importância do certame: "Esse concurso não tinha o menor valor artístico".

A cantora não teve filhos. Na década de 1970 tornou a se casar, com o tecladista Ricardo Jr. Juntos, circularam pelo Brasil e Japão.

Em 2009, Ricardo Jr. acompanhou Dóris e Billy Blanco, em um antológico reencontro dos dois precursores da bossa nova, que excursionou por capitais do país. O casamento e a parceria artística duraram mais de 40 anos, só terminando com a morte do músico, em março de 2017.

Desde então, passou a ser acompanhada pelo pianista João Cortez e manteve agenda de shows. Durante a pandemia, foi uma das atrações do Festival Ziriguidum em Casa.

Em 2022, comemorando com um ano de adiamento os 70 anos de carreira, levou ao palco do Teatro Rival (RJ) o show "70 estações". Recebeu o Prêmio Leon Cakoff na 46ª Mostra Internacional de Cinema, que exibiu "Agulha no Palheiro" (1953).

Ao lado de elenco estelar, apresentou-se no show de lançamento do livro "História da Música Popular Brasileira", de Rodrigo Faour. Junto com Claudette Soares e Eliana Pittman, protagonizou a turnê de lançamento do LP "Divas do Sambalanço", gravado às vésperas da pandemia.

Em redes sociais, lamentou a morte de Monarco, Elza Soares, Gal Costa. Gravou, usando máscara, um vídeo exortando à vacinação contra a Covid-19. Publicou um texto indignado sobre as comemorações oficiais do 7 de setembro, em que afirmava "se é ou não imbrochável não sei e nem me interessa". Na continuação do desabafo, cunhou um novo adjetivo, "sei que é invotável".

Um pouco antes, em agosto, declarara a Pedro Bial que se considerava pessoa de muita sorte, nada havia a lamentar e que "saudade, mesmo, eu tenho é de me apaixonar".

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