Edu de Barros pinta travestis e marmitas em afrescos feitos em parede drywall

Exposição do artista em galeria paulistana mostra sua produção influenciada pelo divino e pelo cotidiano ao mesmo tempo

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São Paulo

Ao ver uma travesti na avenida Augusto Severo, na região central do Rio de Janeiro, Edu de Barros decidiu incluí-la numa pintura que fazia à época. Na tradução da vida real para a tela, ela foi retratada de baixo para cima —numa perspectiva sensual que deixa às nádegas à vista do espectador—, enquanto anda como se desfilasse em uma passarela, ideia que o artista tirou de uma revista de moda.

A pintura, baseada no cotidiano da cidade, fazia parte de um conjunto com outras telas de clima mais sombrio, a exemplo de uma com fundo escurecido onde se veem os contornos de diversas pessoas de cabeça para baixo, como se elas fossem fantasmas despencando do céu.

Pintura da série "Afrescos em Drywall", de Edu de Barros e Raoni Azevedo
Pintura da série 'Afrescos em Drywall', de Edu de Barros e Raoni Azevedo - Cortesia dos artistas/Sé Galeria

Ambos os quadros, por sua vez, eram peças de uma grande composição de pinturas em placas de drywall que, juntas, formavam uma capela. Tal capela de gesso, executada em parceria com Raoni Azevedo, foi efetivamente montada na Casa Bicho, um espaço de arte no Rio de Janeiro com arquitetura semelhante à da casa de orações.

Quando foi desmontada, a capela teve sua estrutura de abóbadas, arcos e paredes desmembradas, e cada uma das partes virou uma pintura independente. Agora, os trabalhos destacados podem ser vistos a partir deste sábado (19) na galeria Jaqueline Martins, em São Paulo, numa amostra dos últimos quatro anos da obra de Barros, produção que remete visualmente aos afrescos renascentistas. A exposição é uma parceria com a galeria Sé, que representa Barros.

"Eu entro na pira dos grandes mestres, tipo Michelangelo, pintando a Capela Sistina. Como ele tinha uma superfície grande de pintura, não precisava focar num tema só", afirma o artista, ao comentar por que pinta cenas sagradas e profanas a um só tempo. Como se vê na exposição, seu trabalho não é religioso em si, isto é, não trata de cenas bíblicas, como era o caso do mestre renascentista, embora Barros seja fortemente influenciado pelo divino.

Carioca de 30 anos, o artista foi criado na igreja e lia textos ocultistas quando começou a pintar. Anos mais tarde, já afastado dos cultos e morando na Lapa, ele se dedicou a tentar inserir cenas cotidianas em suas telas. Influenciado pelo livro "O Nome da Rosa", de Umberto Eco, Barros conta que ficou imaginando como seria se fosse um monge, afastado do acesso à informação, só que vivendo nos dias de hoje no caos do bairro carioca. "Como eu transformaria isso numa coisa mágica?"

A resposta está em outra parte da exposição, que reúne pinturas em grandes dimensões feitas pelo artista para o projeto de um altar exposto no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Nas telas, o cotidiano carioca aparece no desenho de uma marmita de feijão com batata frita sendo comida por pombos e num copo de guaraná com dois salgados, por exemplo. É o banal elevado à categoria do divino. "O apocalipse mundano", ele diz.

Repartição - Edu de Barros e Raoni Azevedo

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