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Paulo Coelho cria livro que cabe em qualquer curso motivacional

Escritor alcançou a ambição de encontrar uma linguagem global para sua literatura, que se reforça no novo 'O Arqueiro'

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paulo coelho de preto ao lado de cadeira vermelha com fundo de madeira

O escritor brasileiro Paulo Coelho fotografado no prédio onde mora em Genebra, na Suíça Niels Ackermann/Rezo

Karl Erik Schollhammer

Professor do Departamento de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

O Arqueiro

  • Preço R$ 59,90 (96 págs.); R$ 19,90 (ebook)
  • Autoria Paulo Coelho
  • Editora Paralela

O rótulo de literatura de autoajuda ganhou relevância comercial nas últimas décadas, sempre com uma conotação de desapreço. Na realidade, o desenvolvimento do enredo narrativo moderno desde sempre teve um laço estreito com o desenho e o projeto de uma personalidade, de um indivíduo sustentado sobre alicerces éticos coerentes.

Não por acaso se falou de um romance de formação ou, para os franceses, de um romance de educação. Mas devemos reconhecer que a literatura apurou esse aspecto em formatos narrativos que dispensam qualquer realismo e entram nos domínios da alegoria, ganhando às vezes semelhança com máximas de instrução, para não dizer manuais de uso.

O livro "O Arqueiro" não é o primeiro em que Paulo Coelho explora a fertilidade dessa vertente instrutiva da narrativa contemporânea.

Desde "O Alquimista", a ideia do caminho e da aprendizagem de seus passos como mais importantes que a interpretação dos objetivos foi uma vertente de escrita fortemente explorada pelo autor no interior de uma visão de mundo globalizada, que permitia uma circulação e um sucesso comercial inéditos para um escritor de língua portuguesa.

Lançado recentemente pela editora Paralela, "O Arqueiro" já foi editado em 2003 em Portugal com o título "O Caminho do Arco". Vinte anos depois, está disponível numa edição ricamente ilustrada pela artista gráfica Joana Lira.

O enredo se apresenta logo nas páginas introdutórias: um estrangeiro chega e revela que o carpinteiro da cidade, Tetsuya, é o melhor arqueiro do país. Mesmo que Tetsuya tenha pendurado o arco há anos e, desde então, tenha vivido em humilde anonimato, o estrangeiro o desafia para uma competição de tiro. O mestre aposentado concorda com relutância e rapidamente supera o estrangeiro com uma exibição de arco e flecha milagrosa.

"Você o humilhou, Tetsuya!", grita um garoto. "Você deve ser mesmo o melhor de todos!" A partir de então, o garoto pede orientação para aprender o caminho do arco, sobre o qual o recém-revelado mestre explica: "O caminho do arco serve para tudo", e ensiná-lo não é difícil, o desafio é praticar todos os dias.

Em seguida, o panorama ficcional perde importância, a narrativa se converte em uma série de máximas e ganha desenvoltura alegórica, de maneira bastante previsível.

Coelho segue explicitamente o exemplo do famoso antecessor, o filósofo alemão Eugen Herrigel, que ficou mundialmente famoso com o livro "Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen" e deixou o legado de introduzir o zen-budismo na Europa.

Há uma grande polêmica em torno da obra de Herrigel. O alemão morou no Japão de 1924 a 1929, ensinando filosofia na Universidade Imperial de Tohoku, quando estudou a técnica japonesa de arco e flecha, o kyudõ, ou o caminho do arco. O instrutor era Awa Kenzo, considerado um arqueiro extravagante e, normalmente, não identificado com o zen-budismo.

Críticos comentam que Herrigel não falava bem japonês e que exagerou sobre seus estudos e conhecimento das ideias de Kenzo. Mas seu relato foi um sucesso pela reprodução das experiências místicas do instrutor japonês e pelas interpretações livres do professor alemão —que mais tarde se tornou um adepto entusiasta do nazismo e acabou afastado de seu emprego na universidade depois da derrota de seu país em 1945.

Uma diferença clara entre os dois relatos é que o autor brasileiro não chega a fazer alusão a experiências transcendentais e místicas, suas aprendizagens entrariam sem problema em qualquer curso motivacional das Lojas Americanas e se mantêm numa sobriedade neutra do senso comum.

Outra diferença é que Herrigel se inscreve na apropriação cultural característica do exotismo literário do século 20, como seus contemporâneos Victor Segalen e René Leys, legitimado pela própria vivência no Oriente. Coelho, por sua vez, faz apenas vagas referências ao contexto japonês, apagando qualquer sensação de estranhamento e alteridade.

O universo ficcional da literatura de Paulo Coelho é múltiplo e diverso em termos de cenários geográficos, mas seus personagens e sua linguagem já exibem uma generalidade globalizada que apaga qualquer origem linguística.

Em concordância com o pujante mercado global, é uma língua que funciona em todas as linguagens e, por isso, corresponde à ambição contemporânea de um idioma que, se não falado, seria entendido por todos.

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