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Poesia de Laura Erber é repleta de desejo, mas sabe que é impotente

'As Palavras Trocadas' parece nascer de nossas experiências concretas e comuns, contribuindo com um diálogo genuíno

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Luisa Destri

Doutora em literatura brasileira pela USP e coautora de "Eu e Não Outra - A Vida Intensa de Hilda Hilst"

As Palavras Trocadas

  • Preço R$ 56,90 (62 págs.)
  • Autoria Laura Erber
  • Editora Âyiné

"As Palavras Trocadas", de Laura Erber, reúne 16 poemas que parecem nascidos de uma experiência em comum: o desejo de manter o diálogo com o outro em um contexto que promove distanciamento —mas que também acaba por contribuir com uma troca genuína com base na palavra.

mulher branca jovem sentada em escadaria de pedra com camisa azul e saia e botas pretas
A poeta e artista plástica Laura Erber, que lança 'Palavras Trocadas' - Divulgação

A visão de conjunto vai se estabelecendo na leitura da sequência. A impressão inicial é de simples reunião, coletânea, a começar pela forma. Os três primeiros poemas, além do quinto, são escritos em prosa, e os demais, em versos.

Há ainda um efeito fragmentário provocado pela reunião de imagens que passam, ao longo do livro, por universos tão distantes quanto tartarugas e barricadas, jogos de cartas e pop art —em diálogo com o campo de atuação da autora, que é também artista visual e pesquisadora.

Porque se destacam, os textos iniciais em prosa oferecem a chave de leitura para o volume. Predominantemente narrativos, eles se concentram no tema amoroso e apresentam um homem e uma mulher que "já não se sabem traduzir", em alusão ao título do livro, mas insistem "na travessia terrestre de prazeres inventados, em ritos sôfregos de um corpo que recebe a verdade de outro corpo".

A afirmação da força do encontro amoroso se faz em imagens espalhadas por todo o livro. "Na Volta" ecoa uma letra de Chico Buarque: "Devagar/ urgentemente/ adiamos os dias de um/ desencontro que começa/ antes do começo da própria/ vida". Um interlocutor é diretamente interpelado em diversos poemas, e trechos surgem entre aspas, sugerindo uma autoria terceira.

Esses elementos permitem sintonizar com a voz, aparentemente única, que se manifesta em todo o livro, em cenas, questões e meditações marcadas por inflexões entre vida íntima e experiência coletiva. Trocar palavras, dialogar, retornar a um idioma comum. O que ocorre no encontro amoroso se torna insuficiente em outro campo.

Quando não centrados no casal, os poemas descrevem paisagens externas como um lago escuro e chuvoso, um verão de "vento morno sujo", o céu fechado de abril. Os aspectos negativos, também fragmentários, se acumulam. O resultado é um espelho, partido, de nossa experiência objetiva recente —a pandemia, "outra guerra", o "museu nacional carbonizado".

As referências concretas ao momento de produção dos poemas circunscrevem um problema ao mesmo tempo externo e interno ao texto. Contrapondo a potência da vida íntima à sensação de "dias contados" causada pelo tempo que "exibe a tessitura rápida e lenta das listas de óbitos", as composições miram a força própria da poesia, mas também reconhecem sua incapacidade para criar outro tempo: "O poema está sempre a caminho de um outro começo".

O resultado é, às vezes, a ausência de saída; outras, a afirmação de que é preciso seguir buscando, mesmo diante do impossível. "Tudo nada fácil/ e não poder prometer/ e não poder se esquivar/ de um novo estirão de vida."

Este é um conflito básico na história da literatura, ao menos desde a modernidade, e pode levar à redução da poesia a instrumento para expandir simbolicamente a existência individual.

O livro de Erber às vezes flerta, como em "Jogadores de Cartas", com essa modalidade ingênua de afirmação do poder da poesia que caracteriza boa parte da produção contemporânea, mas, no geral, se distancia dela —graças, justamente, à dupla articulação entre vida íntima e vida coletiva, entre desejo de potência e consciência de impotência.

É por esse caminho também que a visão de conjunto acaba por se impor. As composições, "sempre em busca de um terceiro tempo", dão sentido à visão fragmentada do presente. Quando tudo em volta são restos, estilhaços, morte, cabe à poesia celebrar a dimensão íntima, ainda possível, da experiência; quando tudo são restos, porém, também cabe à poesia não contentar-se com essa dimensão limitada da experiência.

O livro vai, assim, ampliando seu campo de diálogo para além do encontro amoroso. Ao final, é ao próprio leitor que se dirige, fazendo um convite pueril e, por isso mesmo, gracioso. Vale a pena conferir a breve citação em epílogo.

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