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'Tempos de Barbárie' é cópia ruim do pior do cinemão americano

Primeira parte de trilogia sobre a violência brasileira, filme de Marcos Bernstein desperdiça elenco em trama fragmentada

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São Paulo

Tempos de Barbárie - Ato 1: Terapia da Vingança

  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Cláudia Abreu, Júlia Lemmertz e Alexandre Borges
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Marcos Bernstein

Apesar de parcialmente equivocada, a provocação de Paulo Emílio Salles Gomes era instigante. Para ele, o cinema brasileiro padecia de uma "incompetência criativa em copiar", e por isso inventava novas formas.

Pode-se argumentar que as boas cópias eram exceções à época do pensador, morto em 1977. O problema é que atualmente, com a terrível decadência de Hollywood, nossas cópias se tornaram menos defasadas. Ruim por ruim, podemos ver uma versão brasileira da ruindade.

Tempos de Barbárie
Cena do filme 'Tempos de Barbárie', de Marcos Bernstein - Divulgação

Difícil não vir à mente essa questão enquanto vemos "Tempos de Barbárie - Ato 1: Terapia da Vingança", nova aventura na longa tentativa de copiar o cinemão feito nos EUA. O problema é quando se copia o que se faz de mau no cinema.

Dirigido por Marcos Bernstein, que no passado assinou produções diversas como "O Outro Lado da Rua", de 2004, ou "Meu Pé de Laranja Lima", de 2012, o longa protagonizado por Cláudia Abreu começa razoavelmente bem, até enfileirar vários dos piores cacoetes do cinema de gênero contemporâneo.

Abreu interpreta Carla, uma advogada que vê a filha levar um tiro e entrar em coma profundo após sua tentativa de fugir de uma falsa batida policial. Insatisfeita com a incompetência da polícia na resolução do caso, ela passa a procurar vingança por conta própria, desestabilizando a relação com o marido e com o trabalho.

No processo de luto, ela passa a frequentar um grupo de ajuda para traumatizados com a violência urbana liderado por Natália, personagem de Júlia Lemmertz. Mas não consegue aceitar o que é dito ali. Seu coração não tem como ser reparado.

O filme abre com dizeres indicativos de seu lado no espectro ideológico. A mensagem é clara, contra o armamentismo, e procura alertar para o fascismo de todos nós. Para isso, encara o monstro de frente, no que é, em princípio, uma opção louvável, até como alternativa aos inúmeros filmes que ficam só na sugestão, com medo de uma representação frontal.

Não contente com a simples vingança contra o homem que atirou em sua filha, Carla vai atrás de quem vendeu a arma e de quem fez vistas grossas para a arma entrar no Brasil. Se deixassem, ela iria atrás do fabricante. Na posse de uma máquina do tempo, teria voltado ao passado para matar o inventor das armas de fogo.

Sabe que esse processo não trará sua filha de volta, mas está impregnada do gosto pela violência de uma sociedade que não se esforça muito para inibir nossos impulsos destrutivos.

Se há —ou havia— uma qualidade no cinema de Bernstein, isso está na direção de atores. Nada fora do trivial, mas quem brilha mais em "O Outro Lado da Rua", por exemplo, são Fernanda Montenegro e Raul Cortez.

Poucas pessoas que se aventuram na direção conseguem inspirar o melhor desempenho possível do elenco. Por vezes, o comportamento da câmera ou uma montagem descuidada arruínam qualquer ator ou atriz.

Em "Tempos de Barbárie", temos um desperdício do talento da ótima Cláudia Abreu, que na maior parte da trama se esforça e até consegue se firmar como uma justiceira do nível de Charles Bronson.

As estratégias de sua personagem para capturar os envolvidos na rede do crime lembram as do filme cultuado "A Vingança de Jennifer", de Meir Zarchi, lançado em 1978, mas atualizado em 2010 por Steven R. Monroe, no ultraviolento "Doce Vingança".

Infelizmente o trabalho da atriz, como o de Alexandre Borges, na pele do advogado criminal que trabalha com a protagonista, é sabotado por uma montagem que mistura tempos aleatoriamente, como se precisasse confundir o espectador para revelar sua contemporaneidade.

Nesse sentido, a segunda metade praticamente destrói as possibilidades dramáticas construídas na primeira, como geralmente acontece quando se opta erroneamente pelo embaralhamento cronológico, talvez para encobrir falhas do roteiro escrito pelo próprio Bernstein com Victor Atherino.

"Tempos de Barbárie", como o próprio "Ato 1" presente no título completo entrega, é a primeira parte de uma trilogia sobre a violência na sociedade brasileira. Se a montagem persistir com esses cacoetes, a maior violência será perpetrada pelos filmes, não pelos personagens.

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