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Livros Rússia

Conheça Radíschev, primeiro autor russo a ser exilado na Sibéria

Escritor do século 18 foi despachado por Catarina, a Grande, após publicar relato que expunha mazelas da Rússia

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Irineu Franco Perpetuo

Jornalista e tradutor brasileiro.

Viagem de Petersburgo a Moscou

  • Preço R$ 69 (248 págs.)
  • Autoria Aleksandr Radíschev
  • Editora Boitempo
  • Tradução Paula Vaz de Almeida

De Dostoiévski a Soljenítsyn, passando por Mandelstam e Chalámov, o Estado russo, independentemente da filiação ideológica do tiranete de plantão, sempre soube reservar um lugar na parte asiática de seus domínios para os escritores divergentes.

Agora os leitores brasileiros têm a oportunidade de conhecer o pioneiro dessa ilustre linhagem de degredados na Sibéria: Aleksandr Radíschev.

Aleksandr Radíschev
O escritor russo Aleksandr Radíschev, que foi exilado na Sibéria por 'Viagem de Petersburgo a Moscou' - Divulgação

Radíschev foi despachado para além dos Urais pela mesma monarca que, na juventude, o selecionou para se ilustrar na Universidade de Leipzig: Catarina, a Grande.

Libretista de ópera, dramaturga, autora de livros infantis e amiga dos enciclopedistas franceses, Catarina não hesitou em demonstrar o quanto de despótico havia em seu reinado "esclarecido" quando, em 1790, Radíschev driblou a censura e, em um episódio que pode ser considerado o percursor do "samizdat" que causaria tanto furor na era soviética, publicou ele mesmo "Viagem de Petersburgo a Moscou", traduzido com carinho para o português por Paula Vaz de Almeida.

"A intenção deste livro fica evidente em cada página; o autor está infectado e repleto do erro francês, busca por todos os meios e faz todo o possível para depreciar a reverência ao poder e aos governantes, para incitar no povo a indignação contra os superiores e as autoridades", anota a monarca.

O exílio forçado do literato encerrou-se apenas em 1796, quando, com a morte da czarina, ascendeu ao trono seu filho, Paulo 1º, que odiava a mãe e se empenhou em desfazer todas as suas realizações.

Lealdade familiar não parecia ser um valor muito arraigado na dinastia Románov: em 1801, Paulo foi assassinado em uma conspiração que contou, se não com a participação, pelo menos com a anuência de seu filho.

Ao ser coroado, Alexandre 1º realizou o sonho da vida de Radíschev, inserindo-o na comissão que revisava as leis do império. O escritor, porém, passou pouco tempo na função, suicidando-se em 1802.

Em seu julgamento, Radíschev afirmou que os modelos literários para seu livro tinham sido Laurence Sterne, cujo "Uma Viagem Sentimental" se impõe, e o hoje menos conhecido iluminista francês Guillaume Thomas-Raynal.

Ao longo de cada uma das paradas da jornada entre as duas capitais da Rússia, o autor reflete sobre as mazelas do país, exprimindo-se de forma especialmente veemente sobre a censura e a servidão —para condenar esta, denuncia também a escravidão dos negros nas Américas.

"Bestas gananciosas, sanguessugas insaciáveis, o que reservamos aos camponeses? Precisamente o que não podemos lhes tirar; o ar. Sim, o ar, somente. Não raro, tiramos-lhes não só o dom da terra, o pão e a água, mas a própria luz", escreve. E acrescenta: "A lei proíbe de lhes tirar a vida. Mas só se for instantaneamente. Quantas maneiras há, porém, de matar de forma gradativa!"

Para além do retrato da sociedade da época, "Viagem de Petersburgo a Moscou" interessa ainda como raro exemplar disponível em português de literatura russa anterior ao seu "pai fundador", Aleksandr Púchkin.

Radíschev reflete sobre o século 18, tão pouco conhecido entre nós, e deixa páginas especialmente valiosas sobre Mikhail Lomonóssov, o inacreditável polímata que se destacou nas ciências, escreveu a primeira gramática russa e participou da fundação da Universidade de Moscou —além de ter sido o poeta que estabeleceu a métrica do verso russo.

De valor histórico inegável, "Viagem de Petersburgo a Moscou" infelizmente conserva-se atual em sua denúncia de um aparelho estatal que se recusa obstinadamente a despir o manto da autocracia.

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