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'Mortal Kombat' chega aos 30 bilionário, mas ainda luta contra sua fama de violento

Franquia chega ao 12º título principal mostrando que é mais que apenas sanguinolência quase ridícula e os famosos 'fatalities'

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São Paulo

"Você só quer falar sobre isso? Porque temos um jogo que será lançado em breve."

A impaciência do cocriador de "Mortal Kombat", Ed Boon, após uma série de perguntas sobre o papel da violência na franquia, é compreensível para alguém que há 30 anos lida com o estigma de fazer games sangrentos e tenta mostrar que seus jogos vão muito além disso.

Criada em 1992, a série chegou, com o lançamento "Mortal Kombat 1", ao seu 12º título principal —e ao segundo reboot—, o que totaliza mais de 79 milhões de cópias vendidas, que geraram cerca de US$ 5 bilhões. Mais do que isso, a franquia é considerada uma das mais importantes da história da indústria de videogames.

Um sucesso tão longevo não se sustentaria apenas com apelação à violência. Ainda assim, sem ela, "Mortal Kombat" não seria "Mortal Kombat". "É uma das coisas que mais chama atenção. Há uma expectativa por isso. É algo que os fãs esperam", diz Boon. "O que tentamos fazer é deixar a violência em um nível de tal forma ridículo que ninguém leve a sério. Não procuramos ser realistas."

Reptile e Sareena acertam golpe em Ashrah no jogo 'Mortal Kombat 1'
Reptile e Sareena acertam golpe em Ashrah no jogo 'Mortal Kombat 1' - Divulgação

De fato, os "fatalities" —trechos mais sangrentos do jogo, após o fim de uma luta— apresentam cenas que ultrapassam a linha do absurdo. Em um deles, um jovem Jean-Claude van Damme chuta o adversário através do para-brisa de um carro esportivo, usa a porta para cortá-lo ao meio e, em seguida, faz o automóvel sair em disparada puxando o rival pelas entranhas, finalizando tudo com uma grande explosão.

"É estranho, mas a maioria das pessoas começa a rir quando vê um dos nossos ‘fatalities’. Isso dá uma ideia de quão doidos eles são", diz Boon. A sensação pode não ser tão estranha para fãs de desenhos como "Comichão e Coçadinha", dos "Simpsons", e "Happy Tree Friends", websérie de sucesso no início dos anos 2000, que se baseiam nos mesmos princípios de humor sangrento.

Programador do primeiro "Mortal Kombat", Boon conta que a presença da violência no jogo é resultado de uma mistura dos avanços tecnológicos do início dos anos 1990 com a cultura pop dos anos 1980, em que ele e os outros três criadores do game —os artistas John Tobias e John Vogel e o designer de som Dan Forden— cresceram.

"Lá em 1991, quando começamos a fazer o jogo, éramos garotos de 20 e poucos anos que cresceram assistindo a ‘Operação Dragão’ [filme de artes marciais dos anos 1970 com Bruce Lee], ‘O Grande Dragão Branco’ [de 1988, com Van Damme como protagonista], ‘Exterminador do Futuro’, ‘Robocop’, ‘Rambo’. Nós pensávamos: ‘ei, vamos colocar mais sangue na tela e ver o que acontece’", afirma Boon.

Além disso, o primeiro "Mortal Kombat" utilizava um sistema inovador de criação de visuais. Atores —e por vezes os próprios criadores— se fantasiavam como os personagens e eram filmados fazendo os movimentos do jogo. As imagens capturadas eram digitalizadas, o que permitia a criação de imagens muito mais realistas do que as que costumavam aparecer em games da época.

A inspiração sem freios em filmes de ação somada às inovações visuais resultou em um jogo com cenas de violência de um realismo superior aos padrões da época. Ainda assim, o título ficou por mais de um ano fazendo sucesso nos fliperamas dos Estados Unidos praticamente sem contestações.

Foi só quando o jogo chegou a videogames como Mega Drive —ou Sega Genesis, nos Estados Unidos— e Super Nintendo, comercializados nos anos 1990 como brinquedos infantis ao lado de carrinhos de controle remoto e bonecas falantes, que o título entrou na mira das autoridades.

Imagem do jogo 'Mortal Kombat', de 1992
Imagem do jogo 'Mortal Kombat', de 1992 - Reprodução Retro Game Club no Youtube

Menos de dois meses depois do lançamento de "Mortal Kombat" para os aparelhos caseiros, os senadores Joe Lieberman e Herb Kohl iniciaram uma série de audiências no Senado americano questionando a violência dos jogos. Eles ameaçavam partir para cima da indústria no Congresso, criando um órgão estatal para fazer a classificação indicativa de seus títulos.

Em resposta, a indústria tomou medidas para se autorregular. As principais empresas do setor formaram a ESA, a Associação dos Softwares de Entretenimento, que funciona como lobista do setor no Congresso. Assim, eles organizaram seu próprio órgão de classificação indicativa dos jogos, o ESRB, como é conhecido o Conselho de Classificação dos Softwares de Entretenimento.

Para Boon, boa parte da má fama de "Mortal Kombat" vem das polêmicas dessa época e da falta de um sistema de classificação indicativa. "Nunca quisemos que uma criança de seis anos jogasse ‘Mortal Kombat’. É como um filme para adultos. Essa era a nossa intenção."

Ele diz que, com a classificação vigente e o amadurecimento do mercado, o título já não enfrenta a mesma oposição do passado. Ainda assim, a percepção incorreta de que videogames são um produto só para crianças e violento perdura nas discussões sobre o tema. Basta lembrar de uma declaração do presidente Lula, do PT, em abril. Ele afirmou que "jogos ensinam a molecada a matar".

Para driblar a fama de ser um jogo com violência gratuita, a saída encontrada por "Mortal Kombat" foi aprimorar outros aspectos do game. Hoje, por exemplo, a franquia conta com um robusto modo história —ou "Kampanha"—, com um enredo que atravessa quase todos os seus jogos, algo raro para títulos de luta.

Este, aliás, é um dos principais chamarizes do novo "Mortal Kombat 1". O game reinicia a trama da série a partir do personagem Liu Kang. Após se transformar em um deus, ele tenta reescrever a história do universo de "Mortal Kombat" de uma forma mais pacífica. No entanto, não demora muito para a paz ser perturbada e a carnificina recomeçar.

Isso porque, apesar de toda a violência presente na franquia —e, mais provavelmente, por causa dela—, "Mortal Kombat" se tornou ao longo dos últimos 30 anos uma franquia multimídia bilionária que não envolve só videogames, mas filmes, séries, animações, quadrinhos e brinquedos.

É a prova de que, enquanto a marca der lucro, "Mortal Kombat" e a violência nos games continuarão a existir por muitos anos.

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