Descrição de chapéu Games LGBTQIA+

Como pronomes neutros em 'Starfield' despertaram a fúria de gamers reacionários

Escolha proposta na etapa de criação de personagens inclui o não-binário 'they/them' e vídeos apontam invasão ideológica

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Henrique Sampaio
São Paulo

Redes sociais e fóruns de discussão em plataformas como Steam e Reddit viraram um inesperado campo de batalha envolvendo "Starfield" —e sem qualquer relação com os combates espaciais presentes no novo RPG da Bethesda, de propriedade da gigante Microsoft.

O motivo: a presença de pronomes de gênero, incluindo o não-binário "they/them" (elu/delu) durante a etapa de criação de personagens no jogo.

O ponto de partida, contudo, foi um surto ao vivo do criador de conteúdo britânico Az, em seu canal Heel VS Babyface. "Você quer mergulhar em nosso mundo? Bem, adivinha só? Pronomes! Ambiguidade de gênero!", esbravejou durante mais de dois minutos.

Imagem do videogame "Starfield" mostra pessoa em roupa de astronauta andando em planeta alienígena, com montanhas ao fundo e um planeta no céu
Imagem do jogo 'Starfield' - Divulgação/Bethesda Game Studios

O vídeo de Az, um homem branco, berrando para a câmera contra o que ele chama de uma invasão ideológica em seus jogos, viralizou nas redes sociais mais do que qualquer outro conteúdo de "Starfield" durante a semana de seu lançamento —inclusive na forma de zombaria pela ala progressista da comunidade gamer.

No YouTube, vídeos de reação ao desabafo furioso reacenderam críticas à "cultura woke", termo em inglês para consciência social e racial.

A reação agressiva de conservadores como Az tem sido uma resposta a uma indústria em transformação, que quer deixar para trás a fama de machista e tóxica para mulheres e LGBTQIA+ e desfazer a cultura essencialmente masculina que ela própria cultivou ao longo de décadas.

Não que "Starfield" tenha causado uma revolução de gênero. Apesar da ampla diversidade de seus personagens, após a seleção de pronomes, no início do jogo, eles nunca mais voltam à tona.

A abordagem inclusiva em jogos de grande orçamento vem se tornando cada vez mais comum. "Forza Horizon 5", um jogo de corrida de 2021, também da Microsoft, já permitia a escolha de pronomes neutros.

Em "Hogwarts Legacy", baseado na série "Harry Potter", lançado em fevereiro de 2023, você escolhe roupas, cortes de cabelo e tipos de corpos livremente, sem sequer definir o sexo do seu personagem, tratado no gênero neutro durante toda a aventura —uma tentativa da Warner Bros. de se desassociar do discurso transfóbico de J.K. Rowling, autora dos livros.

"Apesar da intensificação desses ataques, a indústria de cultura pop em geral não tem respondido a eles com apoio", diz a doutoranda e pesquisadora de gênero e videogames Beatriz Blanco.

Segundo Blanco, a presença LGBTQIA+ em produtos comerciais aumentou com a recepção positiva de público e crítica, a exemplo do maior sucesso de bilheteria de 2023, "Barbie", que além de trazer perspectivas femininas, tem personagens queer.

Na tentativa de combater inclusão e diversidade na cultura pop, alguns movimentos tentam formas de sabotar o sucesso de filmes, séries e games, como os "review bombs", avaliações negativas em massa em sites agregadores de notas da crítica ou em lojas digitais.

No caso de "Starfield", chama a atenção a criação de modsmodificações não-oficiais feitas pelos próprios jogadores— que prometem eliminar os pronomes de gênero do jogo.

O maior site desta comunidade, porém, se recusou a mantê-los no ar e convidou os criadores a deletarem suas contas —o mesmo destino de um mod que substituía bandeiras LGBTQIA+ pela dos EUA em "Marvel’s Spider-Man Remastered", lançado pela Sony em 2022.

Blanco acredita que produtos diversos estão se estabelecendo como tendência na indústria, que tem resistido ao discurso de ódio. "Por outro lado, os ataques são vantajosos para aqueles que os fazem, gerando visibilidade em torno deles e possibilitando que muitos construam carreiras de influenciadores assim."

A lógica das redes sociais, que prioriza a polêmica, acaba visibilizando o discurso de ódio, inclusive por quem tenta combatê-los. É o que diz o doutor em comunicação Christian Gonzatti, que mantém o perfil Diversidade Nerd nas redes.

"Categorias de conteúdo como os reacts, ou ainda debates e vídeos respondendo a grupos reacionários têm engajamento muito mais expressivo do que vídeos que não seguem esse protocolo." O problema, explica Gonzatti, é que isso "dá palco" ao discurso de ódio que está sendo denunciado. "Produtores de conteúdo de extrema direita vivem dessa estratégia de conteúdo. O MBL se constituiu dessa maneira nas redes", diz.

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